A esquerda tem um problema de autoritarismo (mas não sabe disso)
Líder de laboratório de estudo do autoritarismo explica ponto cego dos progressistas
Por Luke Conway
No filme Os Vingadores, Loki — representando o papel de líder autoritário por excelência — ordena a um grupo de alemães comuns que se ajoelhem diante dele. Parece funcionar, pois quase todos obedecem. Mas um homem solitário se recusa, dizendo que ele “não [se ajoelhará] para homens como você”. Loki, arrogantemente, afirma: “Não há homens como eu”. Então o homem alemão profere a grande verdade oculta da psicologia autoritária: “Sempre há homens como você”.
Provavelmente, o equívoco mais comum sobre o autoritarismo é que ele está amplamente relacionado às figuras de autoridade no comando, os tipos Loki do mundo. De fato, muitas vezes essa é a direção que a conversa toma quando apresento evidências de autoritarismo de esquerda. No Rick Ungar Show,1 por exemplo, um dos convidados criticou o trabalho do nosso laboratório [de pesquisa em autoritarismo] porque não identificávamos claramente líderes autoritários de esquerda. Um percentual alarmantemente alto de reportagens sobre autoritarismo nos últimos sete anos também fazia referência a um líder específico da direita: Donald Trump.
É fácil entender por que há um foco na liderança autoritária. "Autoritário" tem "autoridade" — ou seja, a pessoa no comando — embutida na palavra. Quando as pessoas pensam em "autoritário", geralmente pensam nos líderes. Portanto, é natural pensar que o problema do autoritarismo é apenas um problema de liderança.
Nada poderia estar mais longe da verdade.
A verdade oculta da psicologia autoritária é que sempre há pessoas assim. Sempre há pessoas que preencherão o vácuo de poder, que querem governar, mandar e ditar. Todo movimento tem líderes autoritários. Todo movimento tem pessoas que querem ganhar poder e usá-lo de forma severa. Todo movimento tem líderes que desejam controlar, manipular e esmagar. Portanto, gastar tempo falando sobre autoritarismo como se o que mudasse fosse a liderança é inútil. Nada muda na liderança. O que muda são as pessoas que os líderes presumem liderar.
Na verdade, os líderes são irrelevantes se ninguém os obedecer. É necessário um desejo nas massas para que os autoritários punam seus inimigos, criem e imponham normas para as quais a dissidência não é permitida, promovam a intolerância e o ódio. Líderes autoritários são fantoches patéticos se as massas não estiverem interessadas neles. Então, “existem líderes autoritários?” não é a principal questão — a principal questão é: “as pessoas se submeterão?”. Não importa se a congressista Maxine Waters diz aos manifestantes para "serem mais confrontadores" se eles não gostarem do veredito de um julgamento; só importa se todos acham que esse tipo de discurso autoritário de intimidação é aceitável. Eles se submeterão? Eles querem que líderes mandem nos outros e os conduzam à agressão?
Essa verdade está de acordo com décadas de pesquisa sobre autoritarismo no meu próprio campo da psicologia social. Essa pesquisa tem sido construída na maior parte em torno de escalas de personalidade e atitude que medem o autoritarismo. Essas escalas não são projetadas para medir líderes autoritários; ao contrário, são feitas para medir seguidores autoritários. Incluem itens como este: “Nosso país precisa desesperadamente de um líder poderoso que faça o que for necessário para destruir os novos costumes radicais e o pecado que estão nos arruinando”. Esse item não diz "Eu quero liderar meu povo para destruir meus inimigos." Não é uma medição do líder. É uma medição do seguidor.
Assim, a maior parte do que sabemos sobre autoritarismo — a maior parte dos dados reais usados nos questionários primários que definiram nossa compreensão sobre autoritarismo — está relacionada às pessoas que seguem, e não às que lideram.
O trabalho científico justifica a importância de estudar os seguidores. Em um estudo, por exemplo, nosso laboratório avaliou se poderíamos prever mudanças na liderança autoritária a partir das características psicológicas da população. As mudanças nas tendências autoritárias médias da população previam futuros governos autoritários, ou as mudanças na liderança autoritária previam mudanças nos seguidores? Em outras palavras, quem vem primeiro — os seguidores autoritários ou os líderes autoritários?
Nosso trabalho, ao longo de um período de trinta anos, sugere que as mudanças no status autoritário dos governos foram previstas pela predisposição da população a características de seguidor autoritário, como o coletivismo; mas as mudanças no governo autoritário tiveram pouco efeito comparativamente na psicologia dos seguidores. Este trabalho sugere que certas características psicológicas predispõem os seguidores a aceitar ditaduras autoritárias. Esse fato empírico é bastante notável. Tantas coisas influenciam a ascensão de ditadores que não têm nada a ver com a cultura interna — poder militar, política externa, a situação dos vizinhos imediatos de uma nação — que parece que as crenças culturais dos seguidores na população quase não importam. E, no entanto, não só importam, como importam primordialmente. São centrais. Um ditador autoritário pode tomar o controle de um país, mas se o povo nunca quis que isso acontecesse, não durará. Uma democracia pode ser instalada de fora, mas se o povo quiser uma liderança autoritária, não vai durar.
Portanto, quando chegamos à questão do potencial de autoritarismo de esquerda, a principal pergunta que devemos fazer não é “existem líderes autoritários na esquerda que tomarão o poder e imporão decretos?” A verdadeira questão é: “muitas pessoas de esquerda querem líderes autoritários para esmagar seus inimigos?”
Obedecer a autoridades não é o problema
Talvez estejamos avançando rápido demais. Vamos dar um passo atrás e fazer uma pergunta mais ampla: como são os seguidores autoritários?
E a primeira coisa a esclarecer é que, para um psicólogo, “autoritário” não significa apenas “obedecer à autoridade” ou “ordenar que alguém faça algo”. Pais que punem seus filhos por serem cruéis com os irmãos não são líderes autoritários. Pessoas que obedecem aos limites de velocidade não são seguidores autoritários. Autoritarismo significa algo especificamente mais feio. Autoritários não aplicam regras razoáveis ou as obedecem — eles querem um líder forte que esmague e silencie seus oponentes. Eles querem que esse líder machuque as pessoas em benefício de seu grupo.
O autoritário é, assim, bastante diferente da pessoa que meramente obedece à autoridade. De fato, obedecer à autoridade por si só é, em grande parte, uma coisa positiva. Se os alunos nas minhas aulas se recusassem a fazer o que eu lhes peço, ninguém aprenderia. Se eles interrompessem minhas palestras para discutir sobre Taylor Swift, gritassem com seus colegas sobre dança country, ou escrevessem “Luke fede” em cima das anotações que eu estava tentando escrever no quadro, então não haveria sentido na minha aula. A obediência deles alcança um objetivo positivo. Ensinamos as crianças a respeitar seus professores porque é algo positivo respeitar os professores.
Da mesma forma, queremos que as pessoas obedeçam à lei. Queremos que respeitem a autoridade que diz “não mate”. Ficamos felizes quando as pessoas obedecem e decidem não beber e dirigir, quando seguem as instruções para evacuar prédios em chamas de maneira ordenada e quando se recusam a vandalizar nossas propriedades. Obedecer à autoridade dessa maneira não é autoritarismo, porque não queremos essas coisas principalmente para evitar machucar, esmagar ou silenciar alguém. Queremos apenas que as pessoas se comportem bem.
Os autoritários também querem que as pessoas obedeçam — mas eles diferem em vários aspectos daqueles que simplesmente obedecem. A definição clássica de autoritarismo é que os autoritários querem uma figura de autoridade forte para machucar os outros (chamado de “agressão autoritária”), para impor normas radicais de grupo (chamado de “convencionalismo autoritário”) e exigir submissão a essas normas (chamado de “submissão autoritária”). Os autoritários querem obedecer a figuras de autoridade fortes, mas são amplamente motivados pelo desejo de que seu grupo domine outros grupos.
Nas palavras do mais famoso pesquisador de autoritarismo de todos os tempos, Bob Altemeyer, os autoritários:
“apoiam atos injustos e ilegais por parte dos governos. Eles apoiam policiais que abusam de seu poder... Depois de assistir a um filme sobre os famosos experimentos de ‘obediência’ do psicólogo Stanley Milgram, eles tendem a culpar mais o Professor e o Aluno pelo que aconteceu do que a maioria das pessoas, mas não a autoridade, o Experimentador. Por sua vez, eles mesmos agridem em experimentos de laboratório envolvendo choques elétricos, quando a autoridade sanciona isso. Eles abrigam muitos preconceitos contra várias minorias, aceitando estereótipos acriticamente. Na verdade, as pessoas mais preconceituosas geralmente são ou dominadoras sociais ou autoritários de direita (RWAs). RWAs extremos acreditam fortemente em punições e admitem que derivam prazer pessoal ao aplicá-las aos ‘transgressores’.”
Isso não é meramente obediência — é um tipo particularmente cruel e agressivo de obediência. Os autoritários não estão especialmente interessados em obedecer à lei — eles são, na verdade, menos propensos a obedecer à lei se sua própria autoridade lhes ordenar que não o façam.
A distinção entre boa e má autoridade pode ser vista no notável trabalho sobre paternidade da professora Diana Baumrind, da Universidade da Califórnia em Berkeley. Este trabalho sugere que existem duas dimensões principais da parentalidade: Responsividade/Gentileza e Autoridade/Controle. A pontuação dos pais nessas duas dimensões define seu estilo de parentalidade. Pais que têm baixa pontuação tanto em responsividade quanto em autoridade são pais negligentes, que basicamente não cuidam de seus filhos. Pais que têm alta pontuação em responsividade, mas baixa em autoridade, são indulgentes e mimam seus filhos.
É o contraste entre os dois tipos de pais com alta pontuação em autoridade que é mais relevante aqui. Pais que têm alta pontuação em autoridade, mas baixa em responsividade, são pais autoritários que são rigorosos, dogmáticos e insensíveis. No entanto, pais que têm alta pontuação tanto em autoridade quanto em responsividade são pais que inspiram respeito. Eles esperam obediência, mas ouvem seus filhos e demonstram afeto por eles.
Na minha experiência, às vezes surpreende alguns americanos o fato de muitas pesquisas sugerirem que as crianças têm os melhores resultados com pais que inspiram respeito. Pais indulgentes e negligentes tendem a criar filhos infelizes e malsucedidos. Portanto, pais sem nenhuma autoridade não se saem muito bem. Pais que têm apenas autoridade — autoritários frios — também não se saem bem. Mas pais com uma combinação de autoridade e responsividade criam filhos bem-sucedidos em taxas muito altas.
Esse trabalho destaca um ponto importante para o nosso estudo mais amplo sobre autoritarismo. O substituto adequado para o autoritarismo não é o caos. O substituto adequado é a boa autoridade, que seja responsiva à população. Precisamos de líderes. O autoritarismo é essencialmente o desejo de colocar líderes fortes, mas maus, no poder. O substituto adequado para o autoritarismo não é colocar nenhum líder no poder, mas sim colocar líderes responsivos e gentis no poder. Não deveríamos querer menos liderança; deveríamos querer uma liderança melhor.
Autoritarismo para quê?
Isso nos leva a outro equívoco comum sobre os seguidores autoritários. Acho que tendemos a imaginar os autoritários como o tipo de pessoa que obedece indiscriminadamente a qualquer figura de autoridade que apareça. Afinal, os autoritários não são ovelhas obedientes que simplesmente fazem o que lhes é mandado? Se um autoritário está caminhando pela rua e alguém ordena que faça algo, ele não seria mais propenso a obedecer do que os não-autoritários?
Mas uma reflexão momentânea mostra como essa opinião está errada. Imagine um apoiador autoritário de Donald Trump andando pela rua e sendo posteriormente comandado por Joe Biden a apoiar a pesquisa sobre mudanças climáticas. Entendeu? Importa muito para um autoritário quem está dando a ordem e sobre o que é a ordem. O autoritarismo é altamente específico por domínio: os autoritários se apegam muito a líderes específicos em domínios específicos, mas não são propensos a obedecer a qualquer líder.
Isso significa que as pessoas podem ser autoritárias em quase qualquer coisa. Se as pessoas realmente odeiam morcegos, podem formar um movimento autoritário para matar morcegos. Mas se acham que morcegos são incríveis, podem ser igualmente propensas a formar um movimento autoritário para salvar morcegos. Os autoritários são mais propensos a procurar e obedecer a figuras de autoridade, sim — mas apenas a figuras de autoridade que se preocupam com seu domínio preferido. E esse domínio pode ser literalmente qualquer coisa. Isso significa que uma das perguntas que temos que fazer sobre os autoritários é: autoritarismo para quê?
Considere a dicotomia religião versus ciência. Associamos comumente o autoritarismo com a religião. E com razão — a religião é frequentemente um dos maiores propagadores dos males autoritários. As pessoas raramente associam a ciência com o autoritarismo; mas, ainda assim, há evidências crescentes de que a ciência não é uma cura para os males autoritários e, de fato, pode servir como um canal para eles. Por exemplo, em um dos meus estudos favoritos, os participantes foram instruídos a fazer algo que acreditavam que prejudicaria seriamente um peixe. (Não se preocupem, amigos de peixes, o peixe era na verdade um robô muito realista — mas os participantes não sabiam disso.) Antes disso, os pesquisadores colocaram algumas dessas pessoas em uma “mentalidade científica” ao pedir que escrevessem sobre ciência, enquanto outros participantes do grupo controle não o fizeram. Abordar a situação com uma abordagem científica tornou os participantes menos propensos a obedecer à ordem autoritária de prejudicar um peixe presumivelmente inocente? De forma alguma. Na verdade, ocorreu o oposto: colocar as pessoas em uma mentalidade científica as tornou mais propensas a obedecer à autoridade científica para injetar produtos químicos tóxicos no peixe.
Este exemplo ilustra a natureza complexa e específica do domínio do comportamento autoritário. Colocar as pessoas em uma mentalidade de amor à ciência pode torná-las mais autoritárias se a figura de autoridade em questão for um cientista pedindo-lhes que façam coisas imorais. Isso é importante porque, psicologicamente falando, não há razão para que os progressistas não possam ser tão autoritários quanto os conservadores, se o domínio situacional encontrar o conjunto certo de figuras de autoridade para o tipo certo de pessoas.
Isso nos leva à pergunta: essa convergência de situações, líderes e pessoas está atualmente acontecendo na esquerda? Temos atualmente um problema de autoritarismo de esquerda? A resposta para essa pergunta é cientificamente indiscutível:
Sem sombra de dúvidas.
O ponto cego autoritário da esquerda
Psicólogos sociais há muito negam que o autoritarismo de esquerda seja um tema digno de estudo. De fato, ainda em 2020, a própria existência de autoritários de esquerda era chamada de “na maior parte mítica, como o Monstro do Lago Ness”.
É quase sempre uma surpresa para os leigos quanto à minha área quando digo que muitos psicólogos sociais negam a existência de um número significativo de autoritários de esquerda. Esses leigos imediatamente gravitam para exemplos óbvios de autoritários de esquerda, seja em suas próprias vidas (aquele tio chato que não para de falar sobre marxismo) ou no cenário político (claros regimes autoritários de esquerda como a China comunista ou Cuba). Essa lacuna entre psicólogos acadêmicos e o público ficou aparente quando coletamos amostras nacionais para examinar quantos autoritários de esquerda os americanos comuns podem identificar em suas próprias vidas. Antes de olharmos para os dados, eu e um colega de psicologia social fizemos suposições sobre o número médio de autoritários progressistas nas vidas das pessoas. Eu supus um; meu colega supôs dois. Por curiosidade, também perguntei a uma pessoa não acadêmica fora de nossa bolha para estimar quantos autoritários de esquerda o americano médio conhecia. Ela disse quinze. Eu ri e disse: “isso não pode estar certo!” Mas ela estava quase certa. O número real não era exatamente quinze, mas bem acima de dez, e muito longe das suposições que dois psicólogos sociais fizeram — dois psicólogos sociais que defenderam a ideia de que existe autoritarismo de esquerda, vale lembrar. Ficou claro que eu e meus colegas de psicologia social não fazíamos ideia do que estava acontecendo no mundo real.
Não é apenas nosso laboratório que despertou para essa crescente ameaça de autoritarismo de esquerda. Há uma revolução emergente de dados acadêmicos revelando um grande corpo de evidências de que autoritários de esquerda nos Estados Unidos e em outros lugares são extremamente autoritários. Isso inclui trabalhos nos Estados Unidos publicados em importantes veículos de pesquisa que dizem, entre outras coisas, que os progressistas, de forma mais ampla, muitas vezes são tão propensos quanto os conservadores a possuir traços considerados característicos do autoritarismo. No entanto, você pode se perguntar como é possível que os acadêmicos tenham deixado escapar completamente uma verdade tão óbvia, e a resposta é importante para nos ajudar a entender a natureza do autoritarismo de esquerda moderno nos Estados Unidos — e por que ele é especialmente difícil de erradicar. A resposta é que os progressistas estão altamente motivados a não ver o autoritarismo de esquerda. E quanto mais autoritários de esquerda eles são, bastante ironicamente, menos querem acreditar no autoritarismo da esquerda. Eles têm uma espécie de curiosa autoignorância de suas próprias motivações autoritárias. Em outras palavras, autoritários progressistas têm um ponto cego.
A maioria das características dos autoritários de esquerda mais ou menos se aplicam a todos os tipos de autoritários. Autoritários de todas as espécies tendem a ser intelectualmente apáticos, mostram uma obsessão com desinformação, trocam princípios por grupos e exibem simplicidade cognitiva. Os domínios específicos associados a essas características mudam, é claro — por exemplo, autoritários progressistas são especialmente simplistas em relação à raça, autoritários conservadores menos — e sempre há exceções que poderíamos encontrar para essas regras. Mas, em geral, espera-se que autoritários em qualquer lugar demonstrem ter características como resistência à mudança, rigidez cognitiva na formação de atitudes, certeza de opinião, preconceitos generalizantes e racismo.
No entanto, o ponto cego motivacional autoritário é algo singular dos autoritários de esquerda. E esse ponto cego torna o autoritarismo progressista especialmente perigoso.
Como psicólogo acadêmico que ensina a respeito do preconceito há mais de vinte anos, costumo dizer nas minhas aulas que uma das pessoas mais perigosas na sociedade é aquela que acha que não é racista. Por quê? Porque todos têm potencial para o racismo, e a pessoa que nega esse potencial nunca enfrentará seus próprios problemas e, assim, passará a vida praticando ações racistas. Em paralelo, um partido político é particularmente perigoso quando afirma com mais veemência que não é autoritário. Por quê? Porque esse partido tem autoritários em potencial. Todo partido tem autoritários em potencial — mas um partido que nega o problema também não o resolverá.
Agora, esse partido é o Partido Democrata. Criamos tacitamente uma geração de progressistas que acham normal a Disney demitir a atriz Gina Carano por ter uma opinião política que algumas pessoas não gostam, e ainda acham que não são autoritários por fazerem isso.
Psicologicamente falando, tais aparentes contradições são, na verdade, bastante comuns. Por exemplo, como qualquer pessoa que já tenha observado objetivamente um comercial da Nike pode dizer, é bem sabido que os americanos são bastante coletivistas a respeito de seu individualismo; e certamente os conservadores mantêm crenças aparentemente contraditórias em múltiplos domínios. O tipo de hipocrisia psicológica envolvida no autoritário de esquerda de hoje é, portanto, um exemplo de um fenômeno comum: da mesma forma que é psicologicamente possível restringir liberdades em nome da liberdade ou exibir coletivismo em nome do individualismo, é possível exibir autoritarismo em nome de uma ideologia antiautoritária.
Como? Quando normas de grupo reforçadas vão contra metas motivacionais individuais, você pode ter o que parece ser uma contradição psicológica. Os conservadores têm normas que sugerem que seu grupo deseja liberdade; e, no entanto, às vezes são individualmente motivados a deixar essas crenças de lado. Para resolver a tensão, os conservadores podem engajar-se nos comportamentos proibidos de restrição de liberdades, mas reclassificá-los como defesas da liberdade. Eles têm um ponto cego motivacional para reconhecer que qualquer um de seus comportamentos poderia ir contra a liberdade.
Os progressistas têm esse mesmo problema com a ideia de autoritarismo. Os progressistas têm normas que lhes dizem que seu grupo deve se opor ao autoritarismo. Mas muitas vezes seus membros individuais têm motivações em direção ao autoritarismo — e o resultado é que os progressistas têm um ponto cego motivacional para acreditar que seus próprios comportamentos autoritários são autoritários. Eles simplesmente não querem acreditar nisso.
Dados científicos sobre a autoignorância autoritária
Isso não é mera especulação. Nossos dados científicos demonstram isso com muita clareza. Em uma pesquisa nacional com mais de cinco mil americanos, fizemos as pessoas responderem a um questionário padrão de autoritarismo e, em seguida, fizemos uma pergunta simples: “você se considera uma pessoa dogmática e autoritária?”
Os americanos conservadores que pontuaram alto no questionário de autoritarismo não tiveram problemas em dizer “sim, eu sou autoritário”. Mas com os progressistas foi uma coisa completamente diferente. Não apenas os autoritários progressistas eram menos propensos do que os conservadores a se identificarem com precisão como autoritários (quando de fato eram), como havia, na verdade, uma correlação negativa entre o autoritarismo de esquerda (a realidade) e a disposição dos liberais a se identificarem como autoritários (sua própria percepção). Isso significa que quanto mais autoritários os progressistas eram, menos acreditavam que eram autoritários!
Os resultados dessa pesquisa foram uma das coisas mais surpreendentes que já vi em todos os meus anos de pesquisa. É importante lembrar que os progressistas que pontuam alto na escala de autoritarismo concordam que (as palavras em itálico são citações diretas da escala) nosso país precisa de um líder forte; que o líder deveria destruir os opositores; que as pessoas deveriam confiar no julgamento das autoridades adequadas, evitar ouvir os agitadores barulhentos de nossa sociedade que estão tentando criar dúvidas nas mentes das pessoas, colocar alguns líderes fortes no poder que se oponham a esses valores e silenciem os causadores de problemas, e esmaguem as crenças dos oponentes; que o que nosso país realmente precisa é de um líder forte e determinado que destruirá o mal; que a sociedade deveria punir severamente aqueles dos quais discordam. Eles também negam que um opositor tenha o direito de estar onde quer que ele ou ela queira estar, e apoiam a afirmação de que o país estaria melhor se certos grupos simplesmente calassem a boca e aceitassem o lugar adequado de seu grupo na sociedade. Esses itens satisfazem todas as características principais da conceituação consensual da pessoa autoritária. Quando os conservadores concordam com esses itens, eles subsequentemente admitem (com precisão) que são autoritários. Quando os progressistas concordam com esses itens, eles na verdade têm mais probabilidade de dizer que não são autoritários.
Por que isso? Porque os progressistas americanos têm um dilema psicológico sobre o autoritarismo que os conservadores não têm. Os progressistas, ao contrário dos conservadores, acreditam que as normas de seu grupo são antiautoritárias. Portanto, eles têm um ponto cego motivacional para admitir que são autoritários. E quanto mais autoritários eles realmente são, mais eles são motivados a aderir às normas antiautoritárias de seu grupo e, assim, mais motivados estão a negar sua própria natureza autoritária. Nossos dados mostram isso com muita clareza. A relação negativa entre o autoritarismo real dos progressistas e sua autoidentificação como autoritários é reduzida a praticamente zero quando levamos em consideração sua percepção das normas de seu próprio grupo. Em termos não estatísticos, isso significa que uma grande parte da razão pela qual os autoritários progressistas negam sua verdadeira natureza autoritária é que os progressistas acreditam que seu grupo oficialmente se opõe ao autoritarismo.
Vale a pena notar que essa forte ênfase em seu grupo ser complexo e antiautoritário tem consequências negativas e positivas. Por um lado, torna especialmente difícil para os progressistas admitirem exemplos óbvios de autoritarismo em si mesmos e em outros progressistas. Mas, por outro lado, isso significa que os progressistas nos Estados Unidos ainda têm uma aversão embutida ao autoritarismo. Se alguém conseguir explorar essa aversão, pode ser mais fácil derrotar as tendências autoritárias no lado esquerdo do espectro político. Provavelmente é por isso que muitos progressistas e liberais de longa data claramente se afastaram dos democratas americanos — o acerto de contas é severo uma vez que o ponto cego é removido. Quando a comediante e democrata de longa data Sarah Silverman disse que não queria mais estar associada ao Partido Democrata, ela disse: “é o absolutismo do partido em que estou que me desanima tanto. É tão elitista”. Isso fornece razões para ter esperança na superação do autoritarismo de esquerda. Pode ser mais difícil fazer com que os esquerdistas vejam o problema do que gostaríamos — mas se conseguirmos fazê-los ver o problema, eles são naturalmente inclinados a realmente querer resolvê-lo.
Luke Conway, PhD, é Professor Titular de Psicologia no Grove City College. Seu laboratório está na vanguarda das pesquisas relacionadas ao autoritarismo de forma mais ampla — e especificamente ao autoritarismo de esquerda. Ele é autor de mais de noventa artigos acadêmicos e capítulos de livros e é membro da Sociedade de Psicologia Social Experimental e da Sociedade de Psicologia da Personalidade e Social. Seu trabalho foi destaque no Washington Post, no New York Times, no Huffington Post, no Psychology Today, entre outros, bem como na BBC e NPR. Ele mora na Pensilvânia.
Este ensaio foi extraído do novo livro do autor, que está disponível para compra nos seguintes links pagos: Amazon, Bookshop e Pitchstone.
Programa de rádio apresentado por Richard “Rick” Ungar, focado em comentários políticos e sobre as notícias. Ungar fez carreira anteriormente na indústria do entretenimento como produtor de animações.
Excelente!
Na minha visão, falta uma nuance importante sobre a obediência às regras e à legitimidade da autoridade. O antiautoritário respeita as regras que considera legitimas, ou seja, aquelas definidas por aqueles delegados para tal função e q atuem dentro das regras. O autoritário se importa em respeitar apenas as regras que ele considera adequadas à própria visão de mundo.
Esta é uma diferença importante, pois o antiautoritário é capaz de obedecer a regras que julgue incorretas ou injustas, desde que o processo para definição delas seja entendido como legítimo. Assim, para um antiautoritário sua posição quanto a questões como o aborto ou o casamento homossexual é irrelevante, se o processo legislativo criou regras q se oponham a sua opinião. Ele pode concordar em discordar. Num cenário como este, estão os liberais, que tendem a reduzir as regras em prol da decisão individual dos cidadãos. Pois se uma pessoa liberal se opõe pessoalmente ao casamento homossexual, ela entende que outra pessoa que não se oponha tenha o direito de fazê-lo, pois o direito de união de uma pessoa não interfere com o de outra. O mesmo pode ser pensado em relação ao aborto, embora aí haja questões mais complexas em relação aos direitos do embrião/ feto. Mas, assim sendo, haveria um entendimento destas pessoas que proibir ou restringir seria uma escolha legal válida. Neste cenário, se estimula a criação de uma multiplicidade de ideias, onde cada um pode ter ideias distintas sobre os mais variados temas.
Já o autoritário acredita que sua opinião é soberana e toda a sociedade deve se dobrar a ela. Então, a obediência a uma regra vai ser subordinada ao seu nível de concordância com tal regra e não com o fato de ela ser definida dentro das regras vigentes e amplamente aceitas naquela sociedade. Então, eles concordarão não só em impor suas ideias, como em calar opiniões em contrário. O curioso é que neste cenário, os autoritários, ao se obrigarem a se alinhas com a visão de mundo dominante, precisam se alinhar integralmente com as escolhas do seu grupo. No fim, é a ideia do grupo político que domina as ideias dos indivíduos. Pois, para garantir a imposição de cima para baixo de um conjunto de práticas, não pode haver opinião diferente sobre nenhuma questão. Logo, o autoritarismo fomenta a homogeneização das opiniões.
A polarização atual é fruto de uma caminhada autoritária dos 2 principais polos políticos. Daí, vermos casos de radicalização de pessoas antes moderadas ou até de inversão total de polo político em alguns casos. No mundo dos autoritários, não há nuance. Ou se adere 100% ou você é oposição.