Seis Sinais de Cientificismo
Por Susan Haack, filósofa e professora da Universidade de Miami.
Resumo: Da forma como a palavra “cientificismo” é usada atualmente, é uma verdade trivial que o cientificismo – uma atitude inapropriadamente deferente para com a ciência – deveria ser evitado. Mas é uma questão substancial quando e por que a deferência às ciências é inapropriada ou exagerada. Este artigo tenta responder a essa pergunta ao articular os “seis sinais de cientificismo”: o uso honorífico de “ciência” e seus cognatos; o uso de adornos científicos de forma puramente decorativa; a preocupação com a demarcação; a preocupação com o “método científico”; a procura nas ciências por respostas além de seu escopo; negar a legitimidade ou o valor de investigações não científicas (p. ex. legal ou literária) ou da poesia e da arte.
Introdução
Um homem deve ser definitivamente maluco para negar que a ciência fez muitas descobertas verdadeiras.
– C. S. Peirce[1]
O cientificismo ... emprega o prestígio da ciência para o disfarce e a proteção.
– A. H. Hobbs[2]
A ciência é uma coisa boa. Como Francis Bacon previu séculos atrás, quando o que agora chamamos de “ciência moderna” estava em sua infância, o trabalho das ciências trouxe tanto luz, um corpo de conhecimento em permanente crescimento sobre o mundo e como ele funciona, quanto frutos, a capacidade de predizer e controlar o mundo de formas que tanto estenderam quanto melhoraram nossas vidas. Mas, como William Harvey reclamou, Bacon realmente escreveu sobre ciência “como um Lorde Chanceler”[3] – ou, como poderíamos dizer hoje, “como um publicitário”, ou “como um marqueteiro”. Certamente ele parece ter sido muito mais ciente das virtudes da ciência do que de suas limitações e perigos em potencial.
Mas a ciência não é de modo algum algo perfeitamente bom. Ao contrário, como todos os empreendimentos humanos, a ciência é inexoravelmente falível e imperfeita. No máximo, seu progresso é irregular, desigual e imprevisível; além disso, muitos trabalhos científicos são pouco criativos ou banais, alguns são fracos ou sem cuidado, e alguns são completamente corruptos; e as descobertas científicas muitas vezes têm potencial para ferir tanto quanto para fazer o bem – pois conhecimento é poder, como viu Bacon, e o poder é passível de abuso. E, obviamente, a ciência não é de modo algum a única coisa boa, nem mesmo – apenas um pouco menos obviamente – a única forma boa de investigação. Há muitos outros tipos valiosos de atividade humana além da investigação – música, dança, arte, contar histórias, culinária, jardinagem, arquitetura, para mencionar algumas; e muitos outros tipos valiosos de investigação – histórica, legal, literária, filosófica etc.
Como indiquei ao dar o subtítulo de Defending Science – Within Reason: Between Scientism and Cynicism,[4] precisamos evitar tanto subestimar o valor da ciência, quanto superestimá-lo. O que quis dizer com “cinismo” nesse contexto foi um tipo de atitude invejosa e acriticamente crítica para com a ciência, uma incapacidade de ver ou uma falta de vontade de admitir seus notáveis feitos intelectuais, ou de reconhecer os benefícios reais que ela tornou possíveis. O que quis dizer com “cientificismo” é a falha oposta: um tipo de atitude excessivamente entusiástica e acriticamente reverente para com a ciência, uma incapacidade de ver ou falta de vontade de admitir sua falibilidade, suas limitações e seus potenciais perigos. Um lado descarta a ciência de forma demasiado apressada; o outro muito apressadamente a reverencia. Minha preocupação aqui é, é claro, com esse último erro.
É bom notar que a palavra “cientificismo”[5] não foi sempre pejorativa, como é agora. Por volta da metade do século XIX – não muito depois do uso mais antigo e mais generalizado da palavra “ciência”, que podia se referir a qualquer corpo sistematizado de conhecimento, qualquer que fosse seu objeto de estudo, tivesse dado lugar ao uso moderno e mais restrito, que se refere à física, química, biologia etc., mas não a jurisprudência, história, teologia etc.[6] – o termo “cientificismo” era neutro: significava, simplesmente, “o hábito e modo de expressão de um homem da ciência”. Mas por volta das primeiras décadas do século XX “cientificismo” começou a ganhar um tom negativo – inicialmente, parece, primariamente em resposta às ideias excessivamente ambiciosas sobre quão profundamente nossa compreensão do comportamento humano seria transformada se ao menos aplicássemos os métodos que se provaram tão bem-sucedidos nas ciências físicas.[7] E por volta da metade do século XX, o cientificismo passou a ser visto como um “preconceito”,[8] uma “superstição”,[9] uma “aberração” da ciência.[10] Hoje em dia esse tom negativo é predominante;[11] na verdade, as conotações pejorativas do “cientificismo” estão agora tão profundamente entranhadas que os defensores da autonomia da ética, ou da legitimidade do conhecimento religioso etc., às vezes pensam que, em vez de se engajarem de fato em refutar os argumentos de seus críticos, seja suficiente descartá-los com uma palavra: “cientificistas”.
Então, como o termo “cientificismo” é usado atualmente, e como eu o usarei, é uma verdade verbal trivial que o cientificismo deveria ser evitado. É, entretanto, uma questão substancial [saber] exatamente o que deve ser evitado – quando, e por que, a deferência às ciências é apropriada e quando, e por que, é inapropriada ou exagerada. Meu principal propósito aqui é sugerir alguns modos de reconhecer quando esta linha foi cruzada, quando o respeito pelas façanhas das ciências se transmutou no tipo de deferência exagerada característica do cientificismo. Esses são os “seis sinais de cientificismo” aos quais meu título faz alusão.
Breve e aproximadamente resumidos, eles são:
Usar as palavras “ciência”, “científico”, “cientificamente”, “cientista” etc. honorificamente, como termos genéricos de elogio epistêmico.
Adotar os maneirismos, os adornos, a terminologia técnica etc. das ciências, independente de sua real utilidade.
Uma preocupação com a demarcação, isto é, com desenhar uma linha nítida entre ciência genuína, a coisa real, e impostores “pseudocientíficos”.
Uma preocupação correspondente com a identificação do “método científico”, que se presume explicar como as ciências foram tão bem-sucedidas.
Procurar nas ciências por respostas a perguntas que estão além de seu escopo.
Negar ou denegrir a legitimidade ou o valor de outros tipos de investigação além da científica, ou o valor de atividades humanas outras além da investigação, como a poesia e a arte.
Tomarei esses seis sinais um a um – sempre tentando, entretanto, manter suas inter-relações em vista, para sinalizar as ideias equivocadas sobre as ciências das quais eles dependem, e para guiar pela frequentemente muito tênue linha entre repudiar francamente o cientificismo e sub-repticiamente repudiar a ciência. E então – tomando a oportunidade fornecida pelo último desses sinais de cientificismo – comentarei brevemente sobre algumas das tensões entre a cultura científica contemporânea e tradições mais antigas que, em grande parte do mundo, ela hoje substituiu ao menos parcialmente.
1. O uso honorífico de “ciência” e seus cognatos
Ao longo dos últimos séculos, o trabalho das ciências enriqueceu e refinou enormemente nosso conhecimento sobre o mundo. E enquanto o prestígio das ciências cresceu, palavras como “ciência”, “cientificamente” etc. receberam um tom honorífico: seu significado substantivo tendeu a deslizar para o fundo, e sua conotação favorável a tomar o centro das atenções. Publicitários muitas vezes gabam-se que “a ciência mostrou” a superioridade de seu produto, ou que “estudos científicos” apoiam suas alegações. Tratamentos médicos tradicionais ou não convencionais são descartados imediatamente, não por não terem fundamento ou não terem sido testados, mas como “não científicos”. Céticos diante de alguma alegação, podemos perguntar não “há alguma boa evidência[12] disso?”, mas “há alguma evidência científica disso?”. Necessitando produzir um teste para ajudar juízes a determinar se o testemunho de especialistas é confiável o suficiente para ser levado em conta, a Suprema Corte dos EUA sugeriu que tal testemunho devesse ser “conhecimento científico”, derivado do “método científico”.[13] Uma historiadora, argumentando pela falta de fundamento nas evidências para a ideia de que a filosofia antiga grega foi tomada de empréstimo dos egípcios, descreve-a como “não científica”.[14] Títulos de conferências e livros falam de “Ciência e Razão”,[15] como se as ciências tivessem um monopólio sobre a própria razão. Um editorial recente do Wall Street Journal descreve estudos de escolas de charter onde os estudantes são escolhidos por sorteio como “científicos e mais confiáveis” que estudos de escolas que selecionam seus estudantes por mérito.[16] O uso honorífico é ubíquo.
Naturalmente, uma vez que “ciência”, “científico” etc. se tornaram termos honoríficos, profissionais inseguros sobre o status de sua disciplina ou abordagem gostam de usá-los enfaticamente e com frequência. Em 1953, o Dr. Hobbs produziu uma lista esplêndida de excertos de promocionais de editores para textos de sociologia: “uma abordagem científica”; “enfrenta cientificamente o problema ... do casamento”; “aborda problemas sociais do ... ponto de vista científico ... [conclusões] inquestionáveis”; “austeramente científico”; e assim por diante.[17] E hoje em dia, é claro – embora os departamentos de física e química não sintam necessidade de ressaltar que o que eles fazem é ciência – universidades oferecem cursos e diplomas de “Ciência da Administração”,[18] “Ciência Biblioteconômica”, “Ciência Militar” e até mesmo “Ciência Mortuária”.[19]
Mas esse uso honorífico de “ciência” e seus cognatos leva a todo tipo de problema. Facilita esquecer que, por mais extraordinárias que tenham sido as façanhas das ciências naturais, nem todos, e não apenas os cientistas são investigadores bons, meticulosos e honestos; tenta-nos a descartar a ciência ruim como se esta não chegasse a ser ciência; e nos seduz à falsa presunção de que qualquer coisa que não seja ciência não é boa, ou ao menos é inferior. Sim, os melhores trabalhos científicos são conquistas cognitivas notáveis; mas mesmo esses melhores são falíveis, e há muitos trabalhos bons e sólidos em disciplinas não científicas tais como história, direito, teoria musical etc. – sem falar no vasto corpo de conhecimento pragmaticamente útil acumulado por fazendeiros, marinheiros, construtores de barcos e artesãos de todo tipo, e os recursos consideráveis de conhecimento sobre ervas etc. incorporados em práticas médicas tradicionais.[20]
E, inevitavelmente, o uso honorífico de “ciência” encoraja a credulidade acrítica sobre qualquer nova ideia científica que apareça. Mas o fato é que todas as hipóteses explicativas que os cientistas produzem são, inicialmente, altamente especulativas, e a maior parte delas revelam-se eventualmente insustentáveis e são abandonadas. Certamente, agora há um vasto corpo de teorias científicas bem embasadas, algumas tão bem embasadas que seria chocante se novas evidências as refutassem – embora mesmo essa possibilidade não devesse ser absolutamente descartada. (O dogmatismo rígido é sempre epistemologicamente indesejável, incluindo o dogmatismo rígido para com as teorias científicas mais bem embasadas.)[21] Mas esse vasto corpo de teorias bem embasadas é o resto sobrevivente de um corpo muito, muito maior de conjeturas especulativas, a maioria das quais não deu em nada – um fato que é fadado ao esquecimento se usarmos “científico” mais ou menos como sinônimo de “confiável, estabelecido, sólido” e assim por diante.
2. Adornos científicos adotados de forma inapropriada
Além de encorajarem o uso honorífico de “ciência” e seus cognatos, os sucessos das ciências naturais também tentaram muitos a adotar os adornos, as aparências, desses campos, na esperança de parecerem “científicos” – como se a terminologia técnica, os números, gráficos, tabelas, instrumentos chiques etc. fossem suficientes por si sós para garantir sucesso. Quando Friedrich von Hayek escreveu sobre a “tirania” que “os métodos e técnicas das Ciências ... exerceram ... sobre outras disciplinas”,[22] ele tinha em mente os esforços dos cientistas sociais para parecerem tanto quanto possível com os físicos – apesar de seus objetos de estudo serem radicalmente diferentes. E há certamente algo desagradavelmente cientificista em adotar os adornos associados à física, à química etc., não como ferramentas úteis transferíveis, mas como uma cortina de fumaça escondendo pensamento raso ou pesquisa de meia tigela. Mesmo aqueles que trabalham em disciplinas que ninguém hesitaria em classificar como ciências às vezes focam-se demais na forma e muito pouco na substância. Um epidemiologista testando os efeitos colaterais de um medicamento para náuseas matutinas calcula meticulosamente a significância estatística de seus resultados, mas falha em distinguir mulheres que tomaram o medicamento durante o período de gestação quando os membros fetais estavam se formando daquelas que o tomaram depois;[23] outro oferece uma tabela de casos de aparência impressionante, mas deixa de checar se as informações nas tabelas correspondem às informações no texto.[24]
Mas esse tipo de mau uso de ferramentas e técnicas científicas é ainda mais comum nas ciências sociais, nas quais, como diz Robert Merton, os profissionais, com uma frequência exagerada, “tomam as façanhas da física como o padrão de autoelogio. Querem comparar bíceps com seus irmãos mais velhos”.[25] Capítulos introdutórios longuíssimos sobre “metodologia” em livros de sociologia são às vezes apenas enfeites; e mais vezes do que se gostariam os gráficos, tabelas e estatísticas de trabalhos em ciências sociais focam atenção em variáveis que podem ser medidas à revelia daquelas que realmente importam, ou representam variáveis tão pobremente definidas que nenhuma conclusão razoável pode ser extraída. Um exemplo clássico é a Segunda Lei do Comportamento Criminal de David Abrahamson: “Um ato criminal é a soma das tendências criminalísticas de uma pessoa com sua situação total, dividida pela quantidade de sua resistência”, ou: “C = (T+S)/R”.[26] O caráter altamente matemático da teoria econômica moderna contribuiu para a ideia curiosa de que a economia é a “Rainha das ciências sociais” – um título para o qual a psicologia[27] parece ter uma reivindicação muito mais legítima. Mas muitas vezes esses modelos matemáticos elegantes mostram-se baseados em presunções sobre o “homem econômico racional” que não valem para nenhum agente econômico do mundo real.[28] E, tristemente, recomendações de políticas baseadas em estatísticas sociológicas defeituosas ou modelos econômicos defeituosos frequentemente ganham um status que não merecem porque são percebidas como “baseadas em ciência”.
Adornos científicos adotados de forma inapropriada também são comuns na filosofia, na qual muitos periódicos e editoras adotaram práticas tais como o estilo de referência nome-data-página-número, usado por psicólogos, sociólogos etc., e sua preferência pelas datas mais recentes em vez das datas originais (muitas vezes enganosa até em seu próprio campo, ainda mais numa disciplina na qual a confiança em autoridades é totalmente fora de lugar, e catastrófica quando o desenvolvimento histórico de uma ideia é importante). Mesmo dar prioridade à publicação revista por pares, outra prática adotada das ciências, é um tipo de cientificismo: pois a revisão por pares não é exatamente perfeita como dispositivo de racionamento mesmo para o espaço escasso em periódicos científicos,[29] e é inerentemente mais susceptível à corrupção quanto mais uma profissão é dominada, como a filosofia é, por grupos, facções e escolas.[30] E, é claro, na filosofia tanto quanto nas ciências sociais, a terminologia técnica passa muito longe de ser, como poderia e deveria ser, um sinal cuidadosamente pensado de progresso intelectual ganho a duras penas, mas apenas jargão de autopromoção projetado para atrair outros para (o que se espera que se torne) um comboio.[31]
Nada disso é para negar, é claro, que às vezes as ferramentas e técnicas científicas revelam-se também genuinamente úteis para investigadores em outros campos: historiadores usam um cíclotron para determinar se a composição da tinta de duas versões impressas mais antigas da Bíblia era a mesma encontrada na “Bíblia de Gutenberg” de 1450-55;[32] usam técnicas de identificação de DNA para testar a hipótese de que Thomas Jefferson foi o pai das crianças de sua escrava doméstica Sally Hemings;[33] e até adotam dispositivos médicos de imageamento para distinguir os traços de escrita nos “cartões postais” de chumbo nos quais os soldados romanos escreviam para suas casas das marcas de séculos de erosão;[34] a General Motors usa um modelo projetado pelos Centros de Controle de Doenças para detectar uma “epidemia” de defeitos em seus carros e caminhões.[35] E assim por diante. O que é cientificista não é o ato de adotar ferramentas e técnicas científicas, como tais, mas adotá-las, como exemplificado, para a exibição em vez do uso sério.
3. Preocupação com o “problema da demarcação”
Uma vez que “científico” tornou-se um termo honorífico, e quando os adornos científicos muitas vezes disfarçam uma falta de rigor real, é quase inevitável que o “problema da demarcação”, ou seja, de traçar uma linha entre a ciência genuína e os fingimentos, e da identificação e descarte da “pseudociência”, [é algo que] emergirá bem maior do que deveria.
Sem surpresa, enquanto o uso honorífico de “ciência” começou a firmar-se nas primeiras décadas do século XX, também o fez uma preocupação crescente com a demarcação: no Positivismo Lógico (onde um tema-chave era a demarcação entre trabalho científico empiricamente significante e especulação metafísica ambiciosa porém sem sentido); e, mais marcantemente, na filosofia da ciência de Karl Popper.[36] Os positivistas propuseram a verificabilidade como a marca do empiricamente significante; Popper virou isso do avesso. Notando que, enquanto nenhum número finito de exemplos positivos poderia mostrar verdadeiro um enunciado, um único contraexemplo é suficiente para mostrá-lo falso, Popper propôs a falseabilidade, a testabilidade, ou (como ele também diz) a refutabilidade como o critério de demarcação do que é genuinamente científico.[37] Uma teoria científica genuína, de acordo com Popper, pode ser sujeitada ao teste da experiência e, se for falsa, pode ser mostrada falsa; enquanto uma teoria que não exclui nada não é científica em absoluto.
Isso soa bem simples. Mas na verdade nunca ficou totalmente claro qual, exatamente, era o critério de Popper, nem o que, exatamente, ele pretendia descartar, nem, principalmente para os presentes propósitos, qual exatamente – além do uso honorífico de “ciência” – era a motivação para querer um critério de demarcação para começo de conversa; na verdade, isso se tornou cada vez menos claro. Por exemplo, inicialmente parecia que Popper tinha a intenção de excluir o “socialismo científico” marxista, junto com as teorias psicanalíticas de Freud e Adler, como não falseáveis. Mas em The Open Society and Its Enemies (1945) Popper concede que, afinal, o marxismo é falseável – na verdade, ele foi falseado pelos eventos da revolução russa.[38] O que deu errado não foi que a teoria não era falseável, mas que, em vez de abandonar sua teoria em face de evidências contrárias, os marxistas fizeram-lhe modificações ad hoc para salvá-la. Então o critério supostamente lógico de Popper foi transformado em um teste parcialmente metodológico – um teste, além disso, de acordo com o qual ciência mal conduzida não é ciência de verdade afinal.
Mais uma vez: por muito tempo Popper alegou que seu critério de demarcação excluía a teoria da evolução; que, escreveu, não é uma teoria científica genuína, mas um “programa de pesquisa metafísico”.[39] Depois ele mudou de ideia: a evolução é ciência, afinal.[40] E de novo – sorrateiramente mudando de escrever sobre a falseabilidade como um critério do que é científico para sugerir que é um critério do que é empírico – Popper reconheceu que a categoria de “não ciência” inclui não apenas a pseudociência, mas também áreas de investigação legítimas mas não empíricas tais como a metafísica e a matemática.[41] Na época em que se nota que ele descreve seu critério como uma “convenção”[42] e até, na introdução da edição inglesa de The Logic of Scientific Discovery, escreve que o conhecimento científico é contíguo ao conhecimento empírico cotidiano,[43] dificilmente evita-se a conclusão de que a ideia aparentemente simples que ele inaugurou tornou-se algo como um monstro intelectual.
Com o benefício da retrospectiva, parece que o critério de demarcação de Popper provou-se tão atrativo para tantos em parte porque ele era amorfo – ou, ainda, polimórfico – o bastante para parecer servir a uma grande variedade de agendas: tais como o interesse de cortes federais de discriminar testemunho científico confiável de “ciência lixo”,[44] ou de determinar se a “ciência da criação” é de fato ciência e por isso constitucionalmente poderia ser ensinada em escolas públicas.[45] Outros critérios foram propostos – por exemplo, que ciência de verdade fia-se em experimentos controlados (o que, entretanto, descartaria não apenas a antropologia e a sociologia, mas também – mais implausivelmente que todas – a astronomia). O melhor que podemos esperar, acredito, é uma lista de “sinais de cientificidade”, nenhum dos quais seria compartilhado por todas as ciências, mas cada um encontrado, em algum grau, em algumas ciências. O fato é que o termo “ciência” simplesmente não tem nenhum limite claro: a referência ao termo é nebulosa, indeterminada e, não menos, frequentemente contestada.
Não que se diga que não podemos, de uma forma aproximada e improvisada, distinguir entre as ciências e outras atividades humanas, incluindo outras atividades cognitivas humanas; mas diga-se que qualquer distinção desse tipo pode ser apenas aproximada e improvisada. Poder-se-ia dizer, como uma primeira aproximação, que a ciência é mais bem entendida não como um corpo de conhecimentos, mas como um tipo de investigação (tal que preparar um jantar, dançar ou escrever um romance não são ciência, nem pleitear um caso em juízo). Numa segunda aproximação, eu acrescentaria que, uma vez que a palavra “ciência” se tornou restrita à investigação de objetos de estudo empíricos, disciplinas formais como a lógica e a matemática pura não se qualificam como ciências, nem disciplinas normativas como a jurisprudência ou a ética ou a estética ou a epistemologia. E numa terceira aproximação, reconhecer que o trabalho selecionado pela palavra “ciência” passa longe de ser uniforme ou monolítico, faz sentido dizer, em vez disso, que as disciplinas que chamamos de “ciências” são mais bem entendidas como formando uma federação frouxa de tipos inter-relacionados de investigação.
Mas se queremos uma perspectiva clara do lugar das ciências entre os muitos tipos de investigação, do lugar da investigação entre os muitos tipos de atividade humana, e das inter-relações entre as várias disciplinas classificadas por reitores e bibliotecários como ciências, necessitaremos procurar continuidades tanto quanto diferenças. Pois são marcadas as afinidades entre as (como dizemos) ciências “históricas” como cosmologia e biologia evolutiva e o que comumente classificaríamos simplesmente como investigação histórica. Não há fronteiras nítidas entre a psicologia e a filosofia da mente, nem entre a cosmologia e a metafísica.[46] Nem há qualquer linha muito clara entre o considerável corpo de conhecimentos que cresceu de atividades humanas tão primevas quanto caçar, pastorear, plantar, pescar, construir, cozinhar, curar, auxiliar partos, cuidar de crianças etc. etc. e o conhecimento mais sistemático dos agrônomos, psicólogos infantis etc.[47]
A investigação científica é reconhecivelmente contígua aos tipos mais comuns e menos sistemáticos de investigação empírica – investigação das causas de perdas de colheita, do projeto de barcos de pesca, das propriedades medicinais de ervas etc. É mais sistemática, mais refinada e mais persistente; mas às vezes redescobre e aproveita o conhecimento tradicional: como Lineu, por exemplo, aproveitou taxonomias lapônicas tradicionais de plantas e animais;[48] ou como muitos medicamentos agora parte do arsenal da medicina científica moderna derivaram do que eram originalmente remédios populares. Um exemplo seriam os digitálicos, extraídos de uma planta chamada digitalis: usada há tempos como remédio popular, a digitalis foi primeiro nomeada em 1542; suas propriedades clínicas foram primeiro descritas por William Withering em 1785; e por volta da metade do século XX era de uso comum entre médicos para o tratamento de problemas do coração.[49]
Suprimir o impulso demarcacionista nos permite ver o requisito de Popper de que uma teoria deve descartar algo, de que não deve ser compatível com absolutamente qualquer coisa e tudo que possa acontecer, pelo que ele de fato é: uma marca não de [a teoria] ser especificamente científica, mas de ser genuinamente explicativa. E a vontade de tomar evidências em contrário seriamente pode também ser vista pelo que realmente é: uma marca não do cientista especificamente, como Popper supõe, mas do investigador honesto, em qualquer campo. (O historiador que ignora ou destrói um documento que ameaça sua hipótese favorita é culpado pelo mesmo tipo de desonestidade intelectual que o cientista que ignora ou deixa de registrar os resultados de um experimento que ameaça falsear sua teoria.) “O cientificismo”, como Hayek observa astutamente, confunde “o espírito geral de investigação desinteressada” com os métodos e a linguagem das ciências naturais.[50]
E suprimir o impulso demarcacionista também terá o efeito saudável de nos obrigar a reconhecer ciência pobremente conduzida como exatamente isso, ciência pobremente conduzida, e de nos encorajar a, ao invés de simplesmente zombar da “pseudociência”, especificar o que, exatamente, há de errado com o trabalho que estamos criticando: talvez que é vago demais para ser genuinamente explicativo; talvez que, embora use simbolismo matemático ou gráficos ou instrumentos sofisticados, esses sejam apenas decorativos e não afetem em nada importante; talvez que alegações que são até aqui puramente especulativas estejam sendo feitas com confiança, como se fossem bem embasadas por provas; e assim por diante. Se ainda tivermos um uso para o termo “pseudociência”, poderia ser mais bem reservado para se referir a exercícios de relações públicas como o “movimento” (que palavra relevadora!) criacionista, que, até onde sei, realmente não envolve qualquer real investigação de qualquer tipo.
4. A busca pelo “método científico”
A preocupação com a demarcação por sua vez encoraja (e é encorajada pela) ideia de que a investigação científica real, o artigo genuíno, difere da investigação de outros tipos em virtude de seu método ou procedimento singularmente eficaz – o suposto “método científico”. Entretanto, ainda esperamos ver qualquer tipo de concordância a respeito do que, exatamente, esse suposto método é. Uma gama de candidatos diferentes e incompatíveis entre si foram propostos: várias formas de indutivismo (de uma versão mais velha e mais forte, segundo a qual os cientistas chegam às suas hipóteses pela indução a partir de exemplos observados, a versões mais recentes e mais fracas segundo as quais os cientistas chegam às suas hipóteses por um processo melhor descrito como imaginativo em vez de inferencial, mas então as testam indutivamente); várias formas de dedutivismo (a concepção de Popper do método científico como matéria de “conjetura e refutação”, isto é, fazer um palpite informado, deduzir suas consequências, e então tentar falseá-lo, e a distinção quase-popperiana e pós-kuhniana de Imre Lakatos entre programas de pesquisa degenerados versus progressivos); e, mais recentemente, abordagens bayesianas, teórico-decisórias etc.
Já em 1970 Paul Feyerabend famosamente chegou à conclusão radical de que o único princípio metodológico que não impediria o progresso da ciência seria “qualquer coisa serve”.[51] Outros filósofos da ciência sugeriram, algo mais plausivelmente, que não há nenhum método científico constante, apenas um método que muda enquanto a ciência progride; ou que não há um único método científico, mas muitos métodos científicos diferentes em áreas diferentes da ciência. Mas um físico reflexivo apontou para uma questão essencial, já em 1949. “Há muito falatório sobre o método científico”, escreveu Percy Bridgman; embora, como ele astutamente observou, “as pessoas que mais falam sobre ele são as que menos o praticam”. Mas nenhum cientista em atividade, continuou, jamais pergunta a si mesmo se está sendo “científico” ou se está usando o “método científico”. Não: “está preocupado demais com detalhes específicos para querer gastar seu tempo com generalidades”.[52] “Até o ponto em que é um método”, comenta Bridgman, o método científico é uma questão simplesmente de “fazer o maior esforço com sua mente, sem barreiras”.[53]
Essas observações francas de senso comum são exatamente certas. Qualquer investigador empírico sério, qualquer que seja seu objeto de estudo, fará um palpite informado sobre a explicação possível para o evento ou fenômeno que o intriga, deduzirá as consequências desse palpite, verá o quão adequadamente essas consequências sobrevivem às evidências que tem e quaisquer outras evidências que puder angariar, e então usará seu julgamento se deve manter o palpite inicial, modificá-lo, largá-lo e começar de novo, ou apenas esperar até que possa descobrir que outras evidências poderiam esclarecer a situação, e como consegui-las. Ao longo de séculos de trabalho, entretanto, os cientistas desenvolveram gradualmente um grupo de ferramentas e técnicas para ampliar e refinar os poderes cognitivos humanos e superar as limitações cognitivas humanas: técnicas de extração, purificação etc.; instrumentos de observação, de microscópio e telescópio ao questionário; técnicas matemáticas do cálculo à estatística e ao computador; e até ordens sociais internas que – até certo ponto, embora só até certo ponto – fornecem incentivos para trabalhos bons, imaginativos e honestos, e desincentivos ao descuido e à trapaça.[54]
Os procedimentos subjacentes a toda investigação empírica séria – atirar uma resposta, e então checá-la[55] – não são usados apenas por cientistas; os “auxílios” científicos à investigação, que são constantemente adaptados e melhorados, e são muitas vezes restritos a alguma área específica da ciência, não são usados por todos os cientistas. Então, não há o “método científico” usado por todos e apenas cientistas. Mas, longe de sugerir que é simplesmente um mistério como as ciências naturais puderam “fazer muitas descobertas verdadeiras”, essa abordagem sugere uma explicação plausível de como elas gradualmente conseguiram refinar, ampliar e estender os poderes cognitivos humanos. Também ilumina a questão sobre se as ciências sociais realmente usam o mesmo método das ciências naturais, ou um método distinto próprio. Como a investigação natural-científica, a investigação sócio-científica seguirá o padrão subjacente de toda investigação empírica séria. Como a investigação natural-científica, aproveitará ordens sociais internas que encorajam trabalhos bons, honestos e meticulosos, e desencorajam a trapaça. Mas ao menos muitas das ferramentas e técnicas especiais das quais precisará provavelmente serão bem diferentes das ferramentas e técnicas especiais mais úteis às ciências naturais.[56]
5. Procurar nas ciências por respostas a perguntas além de seu escopo
Há muitas perguntas, claramente dentro do escopo de uma ou outra das disciplinas convencionalmente classificadas como ciências, para as quais ainda não há nenhuma resposta garantida. (Por isso a credulidade para com a especulação científica atual, mesmo especulação fraca e ainda não testada, é em si um sinal de cientificismo.) Há também muitas questões dentro do escopo das ciências que ainda nem mesmo é possível perguntar – como uma vez, antes do DNA ser identificado e o conceito de macromolécula ser definido,[57] perguntas sobre a estrutura e função do DNA que agora são respondidas não eram sequer concebíveis. Ainda, todas essas são perguntas claramente dentro do escopo das disciplinas convencionalmente classificadas como ciências; e procurar as ciências relevantes para respondê-las é inteiramente apropriado. Mas há também muitas perguntas legítimas completamente fora do escopo das ciências: perguntas jurídicas, literárias, culinárias, históricas, políticas etc. – e perguntas filosóficas, às quais darei foco aqui.
Alguns assuntos antes dentro do escopo da filosofia da mente ou da epistemologia da percepção mostraram-se susceptíveis ao tratamento pela ciência da psicologia; a misteriosa questão metafísica “por que há algo em vez de nada?” foi em parte resolvida quando os cosmologistas se engajaram o problema de (o que eles chamam de) “acresção da matéria”.[58] Tais mudanças de fronteiras não são sempre ou necessariamente cientificistas – na verdade, têm sido frequentemente reais avanços intelectuais. Mas quando as respostas científicas que deixam intocados elementos centrais das perguntas mais antigas são aceitas como suficientes, isso é cientificismo.
Resultados das ciências frequentemente tocam questões de política: a ciência ambiental pode nos dizer quais são as consequências de represar certo rio; a ciência médica, em que estádio um feto humano se torna viável; estudos em ciências sociais, as consequências de mudar incentivos fiscais deste ou daquele modo, de aumentar o número de escolas de charter, de abolir a pena de morte etc. Mas embora uma porção substancial do trabalho científico seja politicamente relevante, a investigação científica – se é para ser investigação genuína, e não o que é paradoxalmente chamado de “advocacy research”[59] – é politicamente neutra. A ciência ambiental não pode, por si só, nos dizer se os benefícios de represar um rio compensam os prejuízos, e certamente não pode nos dizer se construir uma represa é uma boa ideia; a ciência médica não pode, por si só, nos dizer se o aborto é moralmente aceitável (nem, é claro, se deveria ser legalmente permitido); a economia não pode, por si só, nos dizer se devemos mudar o sistema fiscal deste ou daquele modo. Com certeza, cientistas ambientais, sociólogos, economistas etc. provavelmente terão opiniões sobre questões políticas nas quais seu trabalho científico tem influência; e é inteiramente legítimo que eles expressem tais opiniões em público. Mas algo está errado quando eles permitem que suas convicções éticas e políticas afetem seu julgamento das evidências, ou quando eles apresentam essas convicções éticas e políticas como se fossem resultados científicos.
Esses argumentos relativamente simples sugerem uma conclusão relativamente simples: que os resultados das ciências podem nos dar informações sobre a relação entre meios e fins, mas não podem sozinhos nos dizer quais fins são desejáveis. Isso é verdade, até certo ponto; mas não vai longe o bastante. Deixa intocado um assunto mais profundo – se, e se assim é, como resultados científicos podem ter qualquer influência em perguntas sobre quais fins são desejáveis. E nesse assunto mais profundo, estou com John Dewey, que escreveu que “restaurar a integração ... entre as crenças de um homem sobre o mundo no qual ele vive e suas crenças sobre os valores e propósitos que devem direcionar sua conduta é o problema mais profundo da vida moderna”[60]: a ideia de que a ciência é puramente factual, e inteiramente “livre de valores”, e totalmente irrelevante a questões normativas, é rudimentar demais.
Aqui (deixando de lado questões sobre valores epistemológicos, estéticos etc.), enfocarei os [valores] éticos. Como a vejo, a ética não é uma disciplina totalmente autônoma, a priori, nem simplesmente um sub-ramo das ciências humanas. (Este é um tipo de naturalismo ético modesto, informado pela ideia de que o que é bom ou certo que humanos façam não pode ser inteiramente divorciado do que é bom para humanos.) O conhecimento sobre o que verdadeiramente permite o bom sucesso humano – para o qual não apenas a biologia, mas também a psicologia, a sociologia, a economia etc. podem contribuir – embora nunca seja suficiente por si mesmo para nos dizer o que fazer, pode ter relevância contribuinte a questões éticas.
Um artigo recente na revista The Lancet fornece uma ilustração vívida das armadilhas de apelar para resultados científicos como se eles fossem suficientes para responder a perguntas éticas. A tese dos autores é que o sistema moralmente melhor para alocar recursos médicos escassos é o princípio de “vidas completas”, que dá prioridade a adolescentes e jovens adultos acima de crianças e idosos. Como evidência, eles citam pesquisas empíricas mostrando que “a maioria das pessoas pensa” que a morte de um adolescente é pior que a morte de uma criança pequena.[61] Isso sem mencionar o fato de que citam apenas dois estudos desse tipo, nenhum dos quais de fato relata o que seus resumos sugerem.[62] A questão essencial é que “a maioria das pessoas pensa que x é moralmente melhor” e “x é moralmente melhor” são proposições completamente diferentes.[63] Mesclá-las é um sinal claro de cientificismo.
A “ética evolutiva” oferecida por E. O. Wilson parece à primeira vista outro exemplo, embora um exemplo mais sofisticado, do mesmo tipo de cientificismo. A definição de sentimentos morais, diz-nos Wilson, cai na seara da psicologia experimental, a investigação da herdabilidade desses sentimentos cai na seara da genética, a investigação do desenvolvimento dos sentimentos morais cai na seara da antropologia e da psicologia,[64] e a “história profunda dos sentimentos morais” fica a cargo da biologia evolutiva.[65] Se a alegação é que essas investigações científicas são tudo do que a teoria ética precisa, [a alegação] é certamente equivocada: repousa sobre a presunção não argumentada de que a ética deve ser entendida em termos de sentimentos morais; não nos diz quais sentimentos são morais; e, em si e a partir de si, o fato (supondo que seja um fato) de que esses sentimentos podem ter uma explicação evolutiva não mostra por si que eles são, ou que não são, eticamente desejáveis. É um tipo de cientificismo.
Mas a ética evolutiva de Wilson é um aspecto de um panorama maior do que ele chama de “a unidade do conhecimento”; e seu entendimento dessa “unidade” é ambíguo de uma forma crucial. Em certos momentos ele parece estar oferecendo apenas a tese modesta de que todo conhecimento deve, em última instância, encaixar-se num todo coerente (o que é obviamente verdade); em outros momentos, [parece oferecer] a tese muito mais ambiciosa de que todo conhecimento deve, em última instância, ser derivável do conhecimento científico (o que é – não menos obviamente, creio – falso). Então, talvez não seja inteiramente surpreendente que, depois de parecer sugerir que resultados das ciências biológicas pudessem ser suficientes para responder a questões éticas, Wilson segue para perguntar como os instintos morais podem ser ranqueados e quais devem ser reprimidos, quais princípios morais são mais bem incorporados à lei e quais admitem exceções etc.[66] Isso é proporcional a reconhecer que a biologia é relevante mas não é, afinal, suficiente; o que, para meus padrões, não é inapropriado, e não é cientificista, mas potencialmente um passo na direção certa.
6. Denegrir o não-científico
Steven Weinberg escreve sobre a gradual “desmistificação” do mundo através dos avanços científicos.[67] E, de fato, os desenvolvimentos da cosmologia e da biologia evolutiva forneceram explicações naturais para fenômenos que uma vez se pensou que exigiam explicações sobrenaturais; e no processo, mostraram que perguntas sobre o “projeto” de órgãos tais como o olho ou do universo em geral repousam sobre pré-suposições falsas. Reconhecer isso não é, no meu julgamento, algo cientificista. Mas é cientificista imaginar que avanços nas ciências eventualmente substituirão a necessidade de qualquer outro tipo de investigação.
Aqui, como em outros lugares, a linha entre respeito apropriado pela ciência e deferência inapropriada é muitas vezes uma linha tênue. Não é cientificista valorizar estudos empíricos bem conduzidos dos efeitos de mudanças legais (por exemplo, do efeito de abolir a pena de morte sobre a taxa de assassinato, ou dos efeitos de impor um limite sobre danos punitivos em processos por erros médicos sobre o número de médicos que um estado atrai). É cientificista, entretanto, assumir que os “estudos empíricos legais” sócio-científicos são inerentemente mais valiosos que o saber interpretativo legal tradicional. Mais uma vez, não é necessariamente repreensível para uma universidade dar prioridade à pesquisa médica com o potencial de melhorar a saúde significativamente acima de outras pesquisas menos práticas; mas seria uma perda real – e não apenas porque é tão imprevisível qual trabalho realmente terá aplicações práticas importantes – se as universidades parassem de valorizar trabalho intelectual sério por si mesmo, não importando o objeto de estudo ou as recompensas em potencial.
Além disso, embora nossa capacidade para a investigação seja um talento humano notável – manifestado impressionantemente nas ciências, embora não apenas nas ciências – nós humanos temos outros talentos, também: para contar histórias, cantar, dançar, pintar, ... e assim por diante. (Tem-se hipotetizado, de fato, que a capacidade humana para a fala – sem a qual nem a ciência nem contar histórias seriam possíveis – pode ter surgido de uma capacidade musical mais primitiva.)[68] Enfocando por um momento a capacidade narrativa, noto que, apesar de conversas vagas sobre as “duas culturas”,[69] há similaridades significativas tanto quanto diferenças significativas entre a ciência e a literatura. Como Peirce observa, não há nada mais necessário para o trabalho científico que a imaginação – embora o homem científico, continua, “sonha com explicações e leis”,[70] enquanto um romancista sonha com pessoas, eventos e mundos imaginários. Na minha opinião, não apenas é cientificismo assumir que a investigação científica é inerentemente melhor que outros tipos de investigação; também é cientificismo assumir que a ciência é inerentemente mais valiosa que a literatura (ou a arte, a música etc.). “Qual é mais importante, ciência ou literatura?” é uma pergunta irremediavelmente confusa – tão irremediavelmente confusa quanto “qual é mais importante, um senso de humor ou um senso de justiça?”
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O que agora chamamos de “ciência moderna” apareceu na Europa e foi na maior parte um trabalho de homens brancos. Pós-colonialistas, feministas e outros “críticos da ciência” às vezes reclamam que a ciência é racista e sexista – uma coisa masculina e branca. Essa é uma ideia tola. A ciência moderna deriva de esforços humanos muito mais antigos para entender o mundo; houve muitas antecipações importantes da ciência moderna: na China, no mundo árabe e em outros lugares; e hoje em dia há cientistas capacitados de virtualmente todas as raças e gêneros. A ciência não é uma coisa masculina e branca: é uma coisa humana – como fui lembrada forçosamente, não muito tempo atrás, quando conversei longamente com dois pós-doutorandos que trabalhavam num instituto de pesquisa médica na Suíça,[71] uma moça do Canadá e um rapaz do Uzbequistão: culturalmente muito diferentes, eles compartilhavam uma herança científica em comum e aspirações científicas em comum.
Mas, é claro, a ciência moderna também é algo (relativamente) recente. Além disso, os avanços científicos podem representar uma ameaça real a ideias confortáveis sobre nós mesmos e nosso lugar no universo, e a jeitos familiares e tradicionais de fazer as coisas. Então não deveria ser surpresa que tais avanços às vezes encontram resistência daqueles que valorizam os costumes antigos. Às vezes, a resistência é boba. Li, por exemplo, que alguns cientistas sociais proeminentes da Índia favorecem o costume tradicional da variolação – inoculação com material de varíola humana, acompanhada de orações à deusa da varíola – acima da prática científica moderna da vacinação usando a vacina de varíola bovina, que é muito menos provável de causar varíola no paciente[72]. Isso, a meu ver, é pior que tolice.
No entanto, deve-se reconhecer francamente que, quando as tradições mais antigas são substituídas por práticas e métodos científicos mais novos, pode haver perda tanto quanto ganho. (Eu digo “práticas e métodos científicos mais novos”; mas estou desconfortavelmente ciente de que discriminar os efeitos do avanço científico dos efeitos da industrialização, da urbanização e agora da globalização é bastante difícil e talvez nem mesmo possível.) No passado, os índios Panare da Venezuela trabalhavam juntos para derrubar árvores com machados de pedra; com a introdução de machados de aço novos e que poupam trabalho, eles podiam derrubar árvores bem mais rápido e de forma mais eficaz – mas os modos simpáticos de trabalho cooperativo tradicionais morreram.[73] Consumidores americanos ricos que apreciam a solidez e a perfeição das técnicas de construção antiquadas e de baixa tecnologia às vezes procuram por construtores amish para trabalharem para eles.[74] Acadêmicos notam com decepção que estudantes com vastos recursos da internet disponíveis para eles parecem ter esquecido, se um dia souberam, como ler um livro real. Virtualmente todos nós, provavelmente, nos beneficiamos de uma forma ou outra dos avanços na ciência médica; muitos de nós, suspeito, como eu mesma, também sentem certo desconforto sobre o caráter impessoal da medicina moderna tecnologicamente sofisticada.
Tais exemplos poderiam ser multiplicados quase sem limites; mas vou parar aqui, com um pensamento simples: que esquecer que os avanços tecnológicos que a ciência nos trouxe com seu advento, por mais que tenham melhorado nossas vidas, também vieram às vezes com um custo real de substituição de valiosas práticas e habilidades tradicionais, é em si um tipo de cientificismo.[75]
Para citar:
Haack, S. Seis Sinais de Cientificismo. Publicações da Liga Humanista Secular do Brasil, 2012. Disponível em <https://xibolete.org/cientificismo>.
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vedadas comercialização e obras derivadas.
[1] Charles Sanders Peirce, Collected Papers, eds. Hartshorne, Charles, Paul Weiss, & (volumes 7 & 8) Arthur Burks (Cambridge: Harvard University Press, 1931-58), 5.172 (1903). Referências a Collected Papers por volume e número do parágrafo.
[2] A. H. Hobbs, Social Problems and Scientism (Harrisburg: Stackpole Press, 1953), 17.
[3] Minha fonte é Peirce, Collected Papers (nota 3, acima), 5.361 (1877). (Bacon foi por um tempo o Lorde Chanceler da Inglaterra – o que nos EUA teria o nome de “Attorney General”.)
[4] Susan Haack, Defending Science – Within Reason: Between Scientism and Cynicism (Amherst: Prometheus Books, 2003). N. do T.: “Defendendo a Ciência – No Domínio da Razão: Entre o Cientificismo e o Cinismo”, em tradução livre.
[5] N. do T.: A autora fala sobre a história do termo scientism, que pode ou não corresponder à história do termo “cientificismo” em língua portuguesa, escolhido aqui como tradução. Um sinônimo de “cientificismo” é “cientismo”, que pode ser encontrado em outros textos em português. Enquanto “cientismo” é foneticamente mais próximo do termo original (scientism), preferi “cientificismo” por corresponder melhor ao adjetivo “cientificista” e se afastar foneticamente do termo “cientista”.
[6] De acordo com Friedrich von Hayek, embora o exemplo mais antigo dado por Murray no New English Dictionary foi em 1867, esse uso mais restrito já estava em vigor por volta de 1831, com a formação da Associação Britânica para o Avanço da Ciência. F. A. von Hayek, “Scientism and the Study of Society”, Economica (agosto de 1942): 267, n. 2, citando John T. Merz, History of European Thought in the Nineteenth Century vol. I (Edinburgh: W. Blackwood and Sons, 1896), 89. Ver também o verbete “science” no Oxford English Dictionary online (disponível em http://dictionary.oed.com).
[7] Ver verbete “scientism” em Oxford English Dictionary online (nota 8, acima).
[8] Hayek, “Scientism and the Study of Society” (nota 8, acima), 269 (descrevendo o cientificismo, “imitação servil do método e da linguagem da ciência” como um “preconceito”).
[9] E. H. Hutten, The Language of Modern Physics (London: Allen and Unwin, 1956), 273 (descrevendo o cientificismo como “supersticioso”).
[10] Peter Medawar, “Science and Literature,” Encounter XXXI.1 (1969): 23 (descrevendo o cientificismo como uma “aberração da ciência”).
[11] Há exceções, tais como Michael Shermer, que adota a palavra “scientism” [cientificismo] como uma medalha de honra, escrevendo em “The Shamans of Scientism,” Scientific American 287, 3 (setembro de 2002): 35 que “[O] cientificismo é uma mundivisão científica que envolve explicações naturais para todos os fenômenos, evita explicações sobrenaturais e adota o empirismo e a razão como os pilares gêmeos de uma filosofia de vida adequada para uma Era da Ciência.” Mas esta é uma exceção.
[12] N. do T. Decidi traduzir a palavra “evidence” do inglês como “evidência” ou “evidências” na maioria das ocorrências, em vez de “prova” ou “provas”, traduções alternativas às vezes encontradas em contextos filosóficos. O importante é que, na acepção original de Haack, evidence pode ser forte ou fraca, banal ou inconsistente: evidências podem variar em qualidade.
[13] Daubert v. Merrell Dow Pharm., Inc., 509 U.S. 579(1993). Ver também Susan Haack, “Trial and Error: The Supreme Court’s Philosophy of Science,” American Journal of Public Health 95(2005):S66-73; reimpresso em Haack, Putting Philosophy to Work (Amherst: Prometheus Books, 2008), 161-82.
[14] Mary Lefkowitz, Not Out of Africa (New York: Basic Books, 1996), 157.
[15] Estou pensando, por exemplo, na conferência da Academia de Ciências de Nova York da qual participei em 1996, e o volume correspondente. Paul R. Gross, Norman Levitt e Martin Lewis, eds., The Flight from Science and Reason (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1997). Sugeri que os termos fossem invertidos (“Razão e Ciência”) – mas minha sugestão não foi aceita.
[16] “Do Charters ‘Cream’ the Best?”, Wall Street Journal, 24 de setembro (2009): A20.
[17] Hobbs, Social Problems and Scientism (nota 4, acima), 42-43.
[18] Para uma visão cética acerca dessa suposta disciplina, ver Matthew Stewart, “The Management Myth,” Atlantic Monthly 297, 5(2007): 80-87.
[19] Em 1968, C. Trusedell elaborou uma baseada numa busca aleatória de cursos de pós-graduação: “’Ciência da Carne e Animal’ (Wisconsin), ‘Ciências Administrativas’ (Yale), ‘Ciência do Discurso’ (Purdue), ... ‘Ciência Florestal’ (Harvard), ‘Ciência dos Laticínios’ (Illinois), ‘Ciência Mortuária’ (Minnesota).” Trusedell, Essays in the History of Mechanics (New York: Springer, 1968), 75. A lista, e especialmente a “Ciência Mortuária”, ficaram famosas entre filósofos da ciência quando Jerome Ravetz a citou em Scientific Knowledge and Its Social Problems (Oxford: Clarendon Press, 1971), 387, n. 25.
[20] Ver Dagfinn Føllesdal, “Science, Pseudo-Science and Traditional Knowledge,” ALLEA (All European Academies) Biennial Handbook, 2002: 27-37; citando Fenstad, E.-J. et al., Declaration on Science and the Use of Scientific Knowledge, UNESCO World Conference on Science 2003, “Preamble,” 4 (disponível em <http://www.unesco.org/science/wcs/eng/declaration_e.htm>, visitado em 9 de novembro de 2012).
[21] Enquanto eu escrevia este artigo, fósseis recém-descobertos obrigaram os biólogos evolutivos a repensar a ancestralidade de Homo sapiens – nós somos, aparentemente, menos aparentados diretamente aos chimpanzés do que se supunha anteriormente. Ver Robert Lee Hotz, “Fossils Shed Light on Human Past,” Wall Street Journal 2 de outubro (2009): A3.
[22] Friedrich von Hayek, The Counter-Revolution of Science (Glencoe: Free Press, 1952), 13.
[23] Olli P. Heinonen, Denis Slone & Samuel Shapiro, Birth Defects and Drugs in Pregnancy (Littleton: Sciences Group, 1977); ver em particular a descrição do delineamento do projeto e coleta de dados, 8-29. O registro em Blum v. Merrell Dow Pharm, Inc, 33 Phila. Co. Rptr., 193 (Ct. Comm. Pleas Pa. 1996), 215-7, mostra que o Dr. Shapiro admitiu sob juramento que o estudo havia falhado em distinguir entre esses dois subgrupos da amostra.
[24] Christine Haller & Neal A. Benowitz, “Adverse Cardiovascular and Central Nervous System Events Associated with Dietary Supplements Containing Ephedra Alkaloids,” New England Journal of Medicine 343 (2000): 1836. (A tabela é incompatível com o texto na mesma página.)
[25] Robert Merton, Social Theory and Social Structure (1957; ed. Incrementada, Glencoe: Free Press, 1968), 47.
[26] David Abrahamson, The Psychology of Crime (New York: Columbia University Press, 1960), 37.
[27] Evidentemente, a psicologia também sofre de cientificismo; e também tem uma facção terapeuticamente orientada na qual a investigação fica em segundo plano em relação à prática.
[28] Ver Robert L. Heilbroner, The Worldly Philosophers (1958: 7ª ed., New York: Simon and Schuster, 1999), capítulo XI. Susan Haack, “Science, Economics, ‘Vision’,” Social Research 71, 2(2004): 167-83; reimpresso em Haack, Putting Philosophy to Work (nota 15, acima), 95-102.
[29] Ver Susan Haack, “Peer Review and Publication: Lessons for Lawyers,” Stetson Law Review 36(2007): 789-819.
[30] Hoje em dia, ao pensar sobre a condição dos periódicos filosóficos, às vezes temo em relembrar espontaneamente esta observação de Michael Polanyi: “se cada cientista decidisse começar cada manhã com a intenção de fazer a melhor peça de seguro charlatanismo que o ajudaria a ter um bom cargo, em pouco tempo não haveria nenhum padrão eficaz pelo qual tal enganação pudesse ser detectada.” Michael Polanyi, Science, Faith and Society (Oxford: Oxford University Press, 1946), 40.
[31] Ver Susan Haack, “The Meaning of Pragmatism: The Ethics of Terminology and the Language of Philosophy Today,” Teorema XXX/III.3 (2009):9-29.
[32] Era a mesma; e os historiadores agora acreditam que Gutenberg imprimiu todas as três. Ver Robert Buderi, “Science: Beaming in on the Past,” Time 10 de março (1986), disponível em <http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,960850,00.html> (última visita em 9 de novembro de 2012).
[33] Ver Jefferson-Hemings Scholars’ Comission, Report on the Jefferson-Hemings Matter (12 de abril, 2001); William G. Hyland, Jr., In Defense of Thomas Jefferson: The Sally Hemings Sex Scandal (New York: St. Martin’s Press, 2009). (A conclusão razoável parece ser bem modesta: que uma das crianças de Sally Hemings era filha de algum membro da família Jefferson.)
[34] “Wish You Were Here,” Oxford Today 10, 3(1998): 40.
[35] Gregory L. White, “GM Takes Advice from Disease Sleuths to Debug Cars,” Wall Street Journal, 8 de abril (1999): B1, B4.
[36] As origens dessa ideia são descritas em Karl R. Popper, Unended Quest (La Salle: Open Court, 1979), 31-38 (publicado como um livro depois de aparecer pela primeira vez em The Philosophy of Karl Popper, ed. Paul A. Schilpp (La Salle, IL: 1974), 3-181.
[37] Karl R. Popper, The Logic of Scientific Discovery (1934; English ed., London: Routledge, 1959). Edição em português: A Lógica da Pesquisa Científica (Editora Cultrix, 2001). Números de páginas referentes à edição em inglês.
[38] Karl R. Popper, The Open Society and Its Enemies (1945; ed. revisada, 1950), 374. Edição em português: A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (Ed. Itatiaia, 1987).
[39] Popper, Unended Quest (nota 38, acima), 167-180.
[40] Karl R. Popper, “Natural Selection and Its Scientific Status,” uma palestra de 1977, primeiro publicada em Dialectica 32(1978); reimpressa em A Pocket Popper, ed. David Miller (London: Fontana, 1983), 239-246).
[41] Popper, The Logic of Scientific Discovery (nota 39, acima), 39.
[42] Ibid., 37.
[43] Ibid., 18.
[44] Daubert (1993) (nota 15, acima). Evidentemente, embora a Suprema Corte não tenha percebido, é difícil pensar numa filosofia da ciência menos adequada que a de Popper – que nega expressamente que qualquer teoria científica seja capaz de mostrar-se confiável – para servir como um critério de credibilidade. Ver Susan Haack, “Federal Philosophy of Science: A Deconstruction – And a Reconstruction,” NYU Journal of Law & Liberty, 5.2(2010): 394-435.
[45] McLean v. Arkansas Board of Education, 529 F. Supp. 1255 (1982). É claro, embora o tribunal no caso McLean não tenha percebido, tendo em vista a ambivalência de Popper sobre o status da teoria da evolução, é muito pouco claro que seu critério pudesse nos permitir classificar a evolução como ciência e a “ciência” da criação como não ciência.
[46] Ver Susan Haack, “Not Cynicism but Synechism: Lessons from Classical Pragmatism” (2005), in Haack, Putting Philosophy to Work (nota 15, acima), 79-93.
[47] Neste sentido, também há algumas diferenças bastante significativas entre as várias disciplinas classificadas como ciências – entre as ciências naturais e as sociais, é claro, mas também entre a física e a biologia, entre a sociologia e a economia, e assim por diante.
[48] Descobri isso em Føllesdal, “Science, Pseudoscience and Traditional Knowledge” (nota 22, acima); Føllesdal novamente cita o relatório de 2002 da UNESCO (nota 22, acima).
[49] Jeremy N. Norman, “William Withering and the Purple Foxglove: A Bicentennial Tribute,” Journal of Clinical Pharmacology 25 (1985): 479-83. Susan Wray, D. A. Eisner &D. G. Allen, “Two Hundred Years of the Floxglove,” Medical History, Supplement 5 (1985): 132-50. Dale Groom, “Drugs for Cardiac Patients,” American Journal of Nursing 56, 9 (setembro de 1956): 1125-1127. James E. F. Reynolds, ed., Martindale: The Extra Pharmacopoeia (London: Pharmaceutical Press, 30ª ed., 1993), 665-6. Outro exemplo seria a quinina, derivada da casca da árvore cinchona, agora tratamento padrão para malária. Ver arquivo do Banco de Dados de Plantas Tropicais para a quinina (disponível em <http://rainforest-database.com/plants/quinine.htm>, visitado em 9 de novembro de 2012); Lexi Krock, “Accidental Discoveries” (disponível em <http://www.pbs.org/wgbh/nova/body/accidental-discoveries.html>, visitado em 9 de novembro de 2012).
[50] Hayek, The Counter-Revolution of Science (nota 24, acima), 15.
[51] Paul K. Feyerabend, Against Method (London: New Left Books, 1970).
[52] Percy Bridgman, “On Scientific Method” (1949), in Bridgman, Reflections of a Physicist (New York: Philosophical Library, 1955), 81.
[53] Percy Bridgman, “The Prospect for Intelligence” (1945), in Bridgman, Reflections of a Physicist (nota 54, acima), 535.
[54] Essas ideias são desenvolvidas em detalhe em Haack, Defending Science – Within Reason (nota 6, acima), capítulo 4.
[55] Chamar esse padrão subjacente de “método hipotético-dedutivo”, como se fosse um procedimento especial, técnico e peculiar à ciência é em si um tipo de cientificismo.
[56] Essas ideias são desenvolvidas em detalhe em Haack, Defending Science – Within Reason (nota 6, acima), capítulo 6.
[57] O material que agora chamamos de “DNA” foi descoberto em 1859 por Friedrich Miescher (que o chamou de “nucleína”). O conceito de macromolécula foi introduzido por Hermann Staudinger em 1922. Ver Franklin H. Portugal & Jack S. Cohen, A Century of DNA: A History of the Discovery of the Structure and Function of the Genetic Substance (Cambridge: MIT Press, 1977); Robert Olby, The Path to the Double Helix (Seattle: University of Washington Press, 1974).
[58] Ver John Maddox, What Remains to be Discovered: Mapping the Secrets of the Universe, theOrigins of Life, and the Future of the Human Race (New York: Simon and Schuster, 1998), 25 ff.
[59] N. do T. Segundo o sítio Encyclopedia.com, “Advocacy research” é “um tipo de pesquisa política descritiva desenvolvida por pessoas que têm profunda preocupação com problemas sociais como a pobreza e o estupro. (...) Ocasionalmente, estudos de advocacy research dobram seus métodos de pesquisa para inflar a magnitude do problema social descrito, e assim aumentar o mote para que a ação pública volte sua atenção para o assunto”. É um termo que faz um eufemismo para pesquisa enviesada.
[60] John Dewey, The Quest for Certainty (1929; reimpresso, New York: Capricorn Books, 1960), 255.
[61] Govind Persad, Alan Wertheimer & Ezekiel J. Emanuel, “Principles for Allocation of Scarce Medical Resources,” The Lancet 373, 31 de janeiro (2009): 423-31. (O sr. Emanuel é o conselheiro de saúde do presidente Obama.)
[62] Aki Tsuchiya, Paul Dolan & Rebecca Shaw, “Measuring People’s Preferences Regarding Ageism in Health: Some Methodological Issues and Some Fresh Evidence,” Social Science and Medicine 57 (2007): 688-96 (descobriram que as pessoas são amplamente a favor de dar prioridade a pacientes mais velhos acima dos mais novos, mas notando que o modo como as perguntas são feitas pode afetar o resultado); Jeff Richardson, “Age Weighting and Discounting: What Are the Ethical Issues?”, Working Paper 108, Health Economics Unit, Monash University (Austrália) (usou o termo “ética empírica” para se referir a pesquisas sobre as crenças a respeito de questões éticas das pessoas).
[63] Os autores do artigo da Lancet também confundem a relação de valores econômicos com valores éticos. Talvez haja um argumento econômico plausível de que a sociedade tenha feito um investimento econômico maior em adolescentes ou adultos jovens do que em crianças pequenas, e possa esperar maior retorno futuro do investimento em adolescentes ou adultos jovens do que [do investimento] em pessoas mais velhas; mas Persad et al. simplesmente dispensam o fato econômico de que a sociedade investiu menos em adolescentes ou pessoas jovens desprivilegiadas – isso é irrelevante, alegam, porque é em si o resultado da “injustiça social”. “Measuring People’s Preferences” (nota 64, acima), 428.
[64] Enquanto eu escrevia este artigo, um novo livro sugeriu conjeturas fascinantes sobre as origens da empatia em humanos e outros animais. Frans de Waal, The Age of Empathy (New York: Harmony, 2009). Ver também Robert Lee Hotz, “Tracing the Origins of Human Empathy”, Wall Street Journal, 26 de setembro (2009): A11.
[65] E. O. Wilson, Consilience: The Unity of Knowledge (1998; reimpresso New York: Vantge, 1999), 279.
[66] Wilson, Consilience, 279-80.
[67] Steven Weinberg, Dreams of a Final Theory (1992; reimpresso por Vintage, New York, 1993), 245.
[68] Robert Lee Hotz, “Magic Flute: Primal Find Sings of Music’s Mystery”, Wall Street Journal, julho 3-5(2009): A9.
[69] C. P. Snow, “The Two Cultures” (1959), in The Two Cultures and a Second Look (Cambridge: Cambridge University Press, 1964).
[70] Peirce, Collected Papers (nota 3, acima), 1.48 (c.1896).
[71] O Instituto Friedrich Miescher, Basel. (Lembre-se da nota 59 que foi Miescher, um nativo de Basel, quem descobriu o DNA.)
[72] Ver Meera Nanda, “The Epistemic Charity of Social Constructivist Critics of Science and Why the Third World Should Reject the Offer”, in A House Built on Sand: Exposing Post-Modern Myths about Science, ed. Noretta Keortge (New York: Oxford University Press, 1998), 291; Nanda cita Fredérique Apfel Marglin, “Smallpox in Two Systems of Knowledge”, em Dominating Knowledge: Development, Culture and Resistance, eds. Fredérique Apfel Marglin & Stephen Marglin (Oxford: Clarendon Press, 1990), 102-44.
[73] Katherine Milton, “Civilization and Its Discontents: Amazonian Indians”, Natural History 101, 3, março (1992):36-42.
[74] “Amish” refere-se a uma seita religiosa que evita a tecnologia moderna, ainda usa cavalos e charretes em vez de veículos automotivos etc. Nancy Keates, “From Barn Raisings to Home Building: Consumers Hire Amish Builders, Citing Craftsmanship, Costs”, Wall Street Journal, 15 de agosto (2008): W1.
[75] Meus agradecimentos ao Mark Migotti pelos comentários muito úteis sobre o rascunho, e à Pamela Lucken pela ajuda em achar material relevante.