O fundo de verdade na história da maçã de Isaac Newton
É uma das anedotas mais famosas da história da ciência. O jovem Isaac Newton está sentado em seu jardim, quando uma maçã cai em sua cabeça e, num lampejo de genialidade, ele de repente inventa sua teoria da gravidade. A história é quase certamente enfeitada, tanto por Newton quanto por gerações de contadores de histórias que vieram depois dele. Mas hoje qualquer um com acesso à internet pode ver por si mesmo a história em primeira mão de como uma macieira inspirou o entendimento da força gravitacional.
A Royal Society em Londres está tornando disponível em forma digitalizada o manuscrito original que descreve como Newton imaginou sua teoria da gravidade depois de observar uma maçã caindo de uma árvores no jardim de sua mãe no condado de Lincolnshire, embora não haja evidência para sugerir que a maçã o atingiu na cabeça.
Era 1666, e por causa da peste negra muitos eventos e prédios públicos estavam fechados. Newton teve de abandonar Cambridge e ir para o Solar de Woolsthorpe, perto da cidade de Grantham, Lincolnshire, a casa modesta em que ele nasceu, para contemplar os problemas estelares que ele havia perseguido na universidade.
Ele tinha obsessão em particular pela órbita da Lua em torno da Terra, e veio a raciocinar que a influência da gravidade deve se estender por distâncias vastas. Depois de ver como maçãs sempre caem em linha reta ao chão, passou vários anos trabalhando na matemática mostrando que a força da gravidade diminuía na razão inversa do quadrado da distância.
Mas que evidência há de que Newton foi mesmo inspirado por uma maçã em queda? Ele não deixou nenhum registro escrito disso, embora haja outros documentos sugerindo que ele falou a respeito para outros quando já velho.
Historiadores apontam para um relato escrito em particular de um dos contemporâneos jovens de Newton, um antiquário e proto-arqueólogo chamado William Stukeley, que também escreveu a primeira biografia do maior cientista da Grã-Bretanha, com o título "Memórias da Vida de Sir Isaac Newton".
Stukeley também nasceu em Lincolnshire, e usou seus contatos para fazer amizade com o notoriamente briguento Newton. Stukeley passou um tempo conversando com o idoso Newton, a dupla se encontrava regularmente como membros da Royal Society, e se falavam. Em uma ocasião em particular em 1726, Stukeley e Newton passaram a noite jantando juntos em Londres.
"Depois do jantar, como o tempo estava bom, fomos ao jardim e bebemos chá sob a sombra de uma macieira; só ele e eu", escreveu Stukeley no manuscrito meticuloso liberado pela Royal Society.
"Entre outros discursos, ele me disse que estava na mesma situação quando, no passado, a noção da gravidade lhe veio à mente. Por que deveria a maçã sempre descer perpendicularmente ao chão, pensou ele consigo; por ocasião da queda de uma maçã, enquanto sentado em humor contemplativo."
"Por que ela não cai para o lado, ou para cima? Mas constantemente em direção ao centro da Terra? Certamente a razão é que a Terra a puxa. Deve haver um poder de tração na matéria. E a soma do poder de tração na matéria da Terra deve estar no centro da Terra, não em qualquer lado da Terra."
"Portanto, a maçã cai perpendicularmente ou em direção ao centro? Se matéria dessa forma puxa matéria; deve ser em proporção à sua quantidade. Portanto, a maçã puxa a Terra, tão bem quanto a Terra puxa a maçã".
Essa é a versão mais detalhada da anedota da maçã, mas não é a única dos tempos de Newton. Ele também a tinha usado para entreter John Conduitt, o marido da sobrinha de Newton e seu assistente na Casa Real da Moeda [Royal Mint], que Newton chefiou em idade mais avançada. Conduitt escreveu: "No ano de 1666 ele se afastou novamente de Cambridge para a casa da mãe em Lincolnshire. Enquanto andava pensativamente num jardim, veio ao seu pensamento que o poder da gravidade (que trouxe uma maçã de uma árvore ao chão) não era limitado a uma certa distância da Terra, mas que esse poder deve se estender para muito mais além do que se pensava".
"Por que não tão alto quanto à Lua, disse ele a si mesmo, e se é assim, que deve influenciar seu movimento e talvez reter sua órbita, e assim ele se pôs a calcular qual seria o efeito dessa suposição".
Ambas as versões do incidente da maçã foram relembradas por Newton cerca de 50 anos depois. Isso aconteceu mesmo, ou foi uma história que Newton enfeitou ou até inventou?
"Newton foi aperfeiçoando astutamente essa anedota ao longo do tempo", disse Keith Moore, chefe dos arquivos da Royal Society. "A história foi certamente verdadeira, mas digamos que foi ficando melhor ao ser contada". A história da maçã se encaixava com a ideia de um objeto em forma de planeta sendo atraído pela Terra. Também tinha uma ressonância com a história bíblica da árvore do conhecimento, e sabe-se que Newton tinha opiniões religiosas extremas, disse o sr. Moore.
No Solar de Woolsthorpe, agora propriedade da Fundação Nacional [para Lugares de Interesse Histórico ou Beleza Natural do Reino Unido], a governanta da casa, Margaret Winn, disse que a mesma macieira, de uma variedade usada em cozinha conhecida como flor de Kent, ainda cresce na frente da casa, com vista para a janela do quarto de Newton.
"Ele contou a história quando idoso, mas você se pergunta se realmente aconteceu", disse a srta. Winn, que já cozinhou com as maçãs. Mas mesmo se a história foi invencionice fantástica de um velho homem, o conto da maçã em queda foi registrado na história como o segundo maior "momento eureka" na ciência, depois de Arquimedes, que descobriu como calcular o volume de objetos enquanto estava tomando banho.
Famosos momentos "Eureka!" da história da ciência
Arquimedes é conhecido por ter sido o primeiro cientista a gritar a palavra grega "Eureka!" para marcar uma descoberta, quando desvendou seu princípio do empuxo. O escritor romano Vitruvius disse que Arquimedes estava tomando um banho quando percebeu que, quando entrava em sua banheira, seu corpo deslocava um certo volume de água. O cientista saltou do banho e correu nu pelas ruas de Siracusa, na Sicília, gritando: "Eureka, eureka!" ("Descobri! Descobri!"), diz o relato. Certa dúvida foi levantada sobre a autenticidade dessa história, dado que Vitruvius a escreveu quase 200 anos depois.
Otto Loewi, fisiologista alemão, passou 17 anos tentando descobrir uma prova definitiva de que os impulsos nervosos era transmitidos quimicamente, e finalmente encheu-se de inspiração numa noite, quando teve um sonho mostrando como conduzir um experimento importante usando o coração de um sapo. Ele imediatamente foi a seu laboratório conduzir o experimento, notando que a estimulação elétrica do nervo vago de um sapo liberava uma substância química agora conhecida como o neurotransmissor acetilcolina, que controla o ritmo dos batimentos cardíacos.
Embora comumente se pense que Charles Darwin pensou na teoria da seleção natural enquanto estava nas ilhas Galápagos em 1835, ele apenas começou a acreditar na evolução quando voltou à Inglaterra. Em vez de ter tido um momento "Eureka!" único, o cientista passou duas décadas ponderando sobre suas observações, finalmente apresentando sua teoria controversa em seu livro de 1859, Da Origem das Espécies.
Publicado originalmente em The Independent, 18 de janeiro de 2010.
Tradução: Eli Vieira
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