Ouvindo o Outro Lado
Ouvindo o Outro Lado,[ref]Tradução livre.[/ref] de Diana Mutz, é um dos meus livros favoritos sobre o comportamento político e está entre os livros mais influentes sobre o meu próprio desenvolvimento intelectual. É de fácil leitura, curto, e tem uma taxa muito alta de lampejos por página. É uma das obras que me fizeram perceber o quão irrelevante é a maior parte da teoria filosófica da democracia para justificar a real democracia. Altamente recomendado.
Eis um resumo do livro que escrevi num rascunho inicial do Ética do Voto:[ref]Tradução livre.[/ref]
Descrevamos dois tipos de cidadãos democráticos.
Cidadãos deliberativos têm discussões políticas transversais frequentes e significativas. Isto é, com frequência consideram e respondem a opiniões contrárias. São cuidadosos em formar suas próprias preferências políticas. Conseguem articular boas razões em prol das opiniões contrárias. Têm altos níveis de conhecimento político.
Cidadãos participativos se engajam em peso na política. Concorrem a cargos eletivos, fazem campanha, votam, dão dinheiro para campanhas, vão a reuniões municipais, fazem protestos, escrevem cartas ao jornal, etc.
Em princípio, um bom cidadão deliberativo também pode ser um bom cidadão participativo. Essas não são categorias logicamente exclusivas entre si. A maioria dos teóricos da democracia desejam que os cidadãos sejam deliberativos e participativos.
No entanto, o trabalho empírico de Diana Mutz mostra que a deliberação e a participação não vêm juntas. Cidadãos deliberativos não participam muito, e cidadãos participativos não deliberam muito. As pessoas que são as mais ativas na política tendem a ser (nas minhas palavras, não nas de Mutz) ideólogos caricatos.[ref]Ver Mutz 2006, 128.[/ref] As pessoas que têm o maior cuidado ao formular suas próprias opiniões políticas e que passam a maior parte do tempo considerando as opiniões contrárias tendem a não participar da política.
Expor-se a pontos de vista contrários tende a diminuir o entusiasmo pelas próprias opiniões políticas. A deliberação com os outros que têm opiniões contrárias tende a criar ambivalência e apatia para com a política.[ref]Mutz 2006,120.[/ref] Os mais fervorosos em sua crença são ativistas melhores que os pensadores cuidadosos, que questionam a si mesmos. (Imagine um evangelizador das ruas dizendo "Ouçam! A minha religião pode ser o único caminho verdadeiro, mas, como sabem, há algumas razões boas para duvidar!") A exposição política transversal diminui a probabilidade de que uma pessoa votará, reduz o número de atividades políticas em que se engaja, e faz as pessoas demorarem mais a decidir como votarão.[ref]Mutz 2006, 92, 110, 112-113.[/ref]
Em contraste, os cidadãos participativos ativos tendem a não se engajar em muita deliberação e tendem a não ter muita discussão política transversal.[ref]Mutz 2006, 30. Quanto mais as pessoas se filiam a associações voluntárias, menos elas se engajam em discussões transversais. Que fatores demográficos são os melhores preditores que alguém se engajará em discussões políticas transversais? Aparentemente, [nos EUA] esses fatores são ser uma pessoa não-branca, pobre e com baixa escolaridade. A razão disso é que as pessoas brancas, ricas e bem educadas têm mais controle sobre que tipo de interações têm com os outros. As pessoas geralmente não gostam de discussões políticas transversais. Elas gostam de concordância. Então, os que mais têm controle de suas vidas escolhem não participar de discussões transversais. Ver Mutz 2006, 27, 31, 46-47.[/ref] Em vez disso, buscam e interagem apenas com pessoas com as quais já concordam. Quando se pergunta a cidadãos participativos por que outras pessoas têm outras opiniões, eles tendem a responder que elas devem ser estúpidas ou corruptas. Os cidadãos participativos muitas vezes não conseguem dar explicações caridosas das razões pelas quais outras pessoas têm opiniões contrárias às suas. (Isso é preocupante, porque as pessoas que tendem a demonizar todas as opiniões contrárias tendem a não ter justificações para as suas próprias opiniões.) Em contraste, os cidadãos que exibem os maiores graus de virtudes deliberativas conseguem dar explicações caridosas de pontos de vista contrários aos seus.
Muitos teóricos políticos deliberativos da democracia defendem que o governo deve dar mais oportunidades significativas para a participação política. Mutz defende que, se criássemos essas oportunidades, as pessoas mais prováveis de se aproveitarem delas são os extremistas e enviesados partidários. A evidência empírica sugere que as pessoas que mais estão dispostas a pagar pelos custos pessoais (em termos de tempo e esforço) da participação são aquelas com as opiniões mais extremas.[ref]Mutz 2006, 135-136.[/ref] Os extremistas têm interesse pela política e tendem a ser os mais insatisfeitos com o status quo, e por isso tendem a ser os cidadãos mais altamente participativos.
As descobertas empíricas de Mutz nos dão motivos para preocupação. Os cidadãos politicamente ativos têm mais influência que os cidadãos inativos. Ainda assim, os cidadãos deliberativos (que tendem a ser inativos) tenderão a ter melhores justificações para as suas opiniões do que os cidadãos participativos. Portanto, o trabalho de Mutz sugere que a política tende a ser tocada por pessoas com credenciais epistêmicas ruins.[ref]Não quero exagerar essas preocupações. [Bryan] Caplan (2007, 198) defende que os bem educados tendem não apenas a ter crenças econômicas mais sãs do que os de baixa escolaridade, mas também a serem mais propensos a votar do que os últimos. O eleitor mediano é melhor economicamente alfabetizado do que o não-eleitor mediano. Assim, as descobertas de Mutz nos dão motivos para nos preocupar com quem participa da política, mas algumas outras descobertas nos dão razões na direção contrária.[/ref] Cidadãos politicamente ativos tendem a não ter virtudes deliberativas, a ser extremistas, e a pensar que todos que discordam deles são corruptos e estúpidos.
Publicado originalmente em Bleeding Heart Libertarians, 28 de julho de 2016.
Tradução: Eli Vieira
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